Ciência

A ciência atual se divorciou da scientia (saber) e tornou-se potentia (ou seja, interessa-se apenas pela aplicação prática dos conhecimentos e o domínio da natureza). Nesse sentido ela abraçou o “dualismo platônico” (baconiano, kantiano), o qual rasgou a “realidade” em duas esferas: o mundo sensorial e mundo imaterial (ou ideal). Newton, Galileu, Descartes, Bacon, etc. explicaram os fenômenos naturais apenas como manifestações mecânicas. E hoje apenas se interessa pela “produção material” (até a psicologia não aceita mais a psiquê, pois a vida orgânica se restringiu à manifestação química). Seria como se admirássemos as disposições das pedras de uma catedral e não nos interessássemos pela “idéia” do arquiteto e nem pelo estilo da época…

Por isso se julga que pela “experiência” do mundo se é incapaz de chegar à verdade objetiva, pois esta apenas forneceria uma visão aproximada do fenômeno (por isso os testes de probabilidade e de matemática). Não resta a dúvida que se deve agradecer pelas conquistas tecnologias em todos os ramos do conhecimento humano. Mas isso só mostra a visão “indutiva” sobre a natureza, quando se aborda o reino inorgânico (a Física, a Química). O elemento complicador é quando se tenta abordar o “organismo vivo” com os mesmos argumentos que se usam para o “mundo inorgânico”. Ocorrem verdadeiras aberrações de julgamentos e distorções de conceitos. Daí os erros cruciais em ciência. Por isso a sentença de Pascal: “A maioria dos nossos erros decorre de raciocínios bem estruturados baseados em fatos mal observados”. Esses conceitos são repassados como “dogmas” para a sociedade, para as escolas e profissões em geral. Eles não são contestados, por causa do medo de não se encontrar um modelo ideal que caiba no intelecto.

Aristóteles já apontava que a Ciência deveria ser potencialmente “dedutiva”. Isso significa que se deve partir do geral, do universal, do todo, para chegar ao particular, ao detalhe. Parte-se do gênero para chegar à espécie. Se todas as premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. Esta serve para explicar o conteúdo das premissas. Isso porque elas carregam os dados mais importantes e a conclusão é mera formalidade. Ou seja, toda a informação necessária contida na conclusão já estava, implicitamente, nas premissas. Para isso Aristóteles utiliza o silogismo (syllogismós) que, em grego, significa “raciocínio”. E o que visa a Ciência Dedutiva? Justamente resgatar a visão global sobre a natureza, o Universo, os seres viventes, etc. Nesse sentido é preciso desenvolver a ciência voltada aos interesses humanos, com sua aplicabilidade dentro do contexto humano. A Ciência dedutiva se apresenta como o “caminho científico novo”, como possibilidade de um caminho científico pensamental lógico, pois afinal a Ciência dedutiva é mãe da visão “indutiva” (da ciência tecnológica). Pela via “científica dedutiva”, consegue-se conjugar o “atuar” (produção tecnológica) com o “questionar” (caminho científico pensamental). Pode-se dizer também “conhecimento intuitivo”, segundo Goethe. Conhecimento tem a ver com o fenômeno em si (o mundo sensorial) e intuitivo com o “conceito pensamental”. Ou seja, o “conhecimento intuitivo” torna-se a própria essência da Ciência dedutiva.

O “método indutivo” da ciência tecnológica atual não tem muito a ver com “estruturas complexas vivas”, mas é muito importante para o desenvolvimento da “técnica”, que tem a ver com o “mundo inorgânico”. E o essencial no mundo inorgânico pertence ao mundo sensorial: se uma bola de bilhar é impulsionada com uma certa força, com um ângulo pré-determinado, pode-se estudar e saber com antecedência, quais serão sua direção e velocidade. Pode-se “compreender” o fenômeno por conceitos que se tem da matéria: massa, direção, força, velocidade, etc. Isso pertence a uma “necessidade” física, dentro do mundo dos fenômenos inorgânicos que se apresentam aos sentidos. O fenômeno deve aparecer como “consequência necessária” dos conceitos antes formulados. Pode-se dizer que, antes de realizar a experiência, já se tem dentro do pensamento (a idéia) o que vai ocorrer com a bola de bilhar. Assim faz o jogador ao idealizar a trajetória da bola. Portanto, no mundo inorgânico, o conceito e o fenômeno são congruentes, isto é, não há nada fora do conceito e no fenômeno que não seja explicado pelos fatos em si. Eles bastam por si. Causa e efeito pertencem ao mundo sensorial e não há necessidade de transcendê-los. Desse modo, a idéia já possui o conceito, que se coaduna com o que vai acontecer em realidade ali na mesa de bilhar ou na pesquisa científica ordinária.

O mesmo não ocorre no mundo orgânico (organismo complexo vivo), pois quando se observa um objeto, sabe-se que o seu tamanho, a sua forma, a sua cor, o seu crescimento, etc não dependem diretamente dos fatores da mesma espécie. Não vai ser a forma da raiz que irá determinar a forma da folha, mas “algo” que está por detrás dos objetos é que determinará a sua característica, como a “forma substancial” (ou o modelo) que se imprime na matéria o seu “selo” (como o carimbo de cera quente). A isso Goethe denominou de “o tipo”. E isso vai além do que imprime a genética com seu DNA, conforme já demonstraram as experiências de Spimann e outros. No mundo orgânico, não basta ter somente a percepção sensorial, somente a constatação do fenômeno observado. É preciso transcendê-la, é preciso ter a separação entre a percepção e o conceito. Os dois não são congruentes, porque pertencem a âmbitos diferentes.

Enquanto que no mundo inorgânico, conceito e fenômeno fazem parte de uma unidade, pois pode-se formulá-los no pensamento (a idéia), no mundo orgânico, o conceito e a realidade pertencem a esferas distintas; o objeto palpável não é explicado por si, porque o seu conceito não é tirado dele mesmo, mas de “algo de fora” dele, que Goethe denomina de “ideel” (pode ser entendido, não simplesmente como idéia, mas como o verbo “idear”, que é muito mais que formar idéias, sendo uma realidade pensamental com conteúdos próprios, que nasce dele mesmo e que não provém do mundo sensorial-físico). Para abordar essa nova faculdade de pesquisa do mundo orgânico, Goethe denominou “conhecimento intuitivo”: conhecimento tem a ver com o fenômeno em si; é o que se apresenta aos sentidos físicos do observador, ao intelecto; intuitivo tem a ver com o “idear” (que se pode dizer que é o “conceito” que se forma mentalmente ou a “forma substancial” aristotélica), que se descortina como realidade “imaterial”, que se manifesta na razão, no Eu. Por isso Goethe afirmava que “um organismo (vivo) só pode ser compreendido através de um conceito intuitivo”.

Portanto, no mundo inorgânico, impera a lei do “vis-a-tergo”, isto é, o movimento é condicionado por uma força que vem de trás, na uniformidade entre o conceito e o fenômeno. Já no mundo orgânico, não impera essa lei, mas o todo (o idear) condiciona o particular a partir de si, na conformidade com sua essência. Goethe denominou isso de enteléquia. A enteléquia, pela visão aristotélica, visa uma “finalidade” (a causa final) e pode-se melhor entender, como uma “força” (idear ou conceito) que chama a si para comungar com o fenômeno. Ao mesmo tempo o organismo se subordina a todas as condições exteriores, seja o clima, a alimentação, a genética, o DNA, etc, o que mostra que ele pertence também ao mundo têmporo-espacial. São duas realidades pertencentes a dois mundos distintos, mas que se entrelaçam entre si, sendo que o princípio enteléquico adquire existência sensorial e chega a ser a própria manifestação exterior do organismo. Portanto, basicamente, são “dois organismos” que comungam da mesma manifestação sensorial. Fica assim esclarecido que a “idéia primordial” de Goethe (seja da planta primordial ou do animal primordial) não é apenas um conceito intelectivo ou uma força poético-artística, mas é o “verdadeiro orgânico” dentro do organismo, sem o que este não o seria. É a alma (ou psykhé) que vive e se manifesta no organismo; neste caso não se pode determinar onde termina o corpo e começa a alma (ou vice-versa), pois são duas realidades que comungam as mesmas manifestações orgânicas. Isto é o monismo aristotélico (as duas qualidades numa unidade).

Se se for diferenciar a planta do animal, pode-se constatar que a vida do vegetal depende do metabolismo, da absorção da seiva e esta opera diferentemente quando está próxima da raiz e quando chega à ponta do galho, alimentando a flor e o fruto. Uma seiva próxima da raiz ainda é bruta e, à medida que vai ascendendo, vai sendo purificada, ascendendo por uma “escala espiritual”, conforme fala Goethe. O vegetal depende também do meio externo, das influências do cosmo que o envolve. Portanto a vida vegetal se perde na exterioridade, porque inexiste um “centro” orgânico, enquanto que o animal apresenta um mundo fechado em si, um microcosmo, com um centro, onde os órgãos servem. A forma vegetal é a base da sua existência exterior, mas é plasmada de dentro, tanto que pode se repetir indefinidamente com a mesma forma. Um galho fincado no chão irá desabrochar e repetir o mesmo porte vegetal anterior. O mesmo não se pode dizer do animal, porque ele é plasmado de fora, a partir da enteléquia (do arquétipo, do tipo animal, da forma substancial, do espiritual). Se este fosse plasmado apenas conforme a “planta primordial”, todos os animais seriam iguais, mas como ele é “membrado” (dividido) em sistemas e órgãos, cada sistema pode especializar-se, para uma adaptação melhor ao mundo exterior e assim leva certas características bem diferentes de cada tipo animal: é o animal-coelho com orelhas compridas para ouvir de longe, é o animal-águia com seus potentes olhos para enxergar das alturas suas pequenas presas, é o animal de casco para trotar, é o animal de garras para escavar, etc. A partir disso, pode-se estudar a luta pela existência, com os mais bem dotados a enfrentar melhor o meio externo.

O que Darwin observou nas Ilhas Galápagos (Oceano Pacífico), com os pássaros tentilhões, não foi basicamente variedades de espécies diferentes (tentilhão mariquita, tentilhão do solo grande, do cacto grande, da árvore, etc.), mas apenas uma adaptação ao meio. Dependendo da região, das diferenças climáticas e da dieta, eles assumiram formas diferenciadas de bico, numa forma de se adaptar ao meio. É preciso ver que, apesar de esses pássaros terem mudado os bicos, o “tipo” (o arquétipo, a sua forma substancial) do animal continua o mesmo; a sua adaptação ao meio mudou para cada região, mas “ele em si” (a sua essentia) continua o mesmo. Aliás, a sua essência, “algo” que está subjacente ao organismo, permite entender porque um organismo responde a um estímulo de uma determinada maneira. Portanto não ocorreu mudança de espécie, apenas adaptação ao meio. O mesmo se pode observar nas plantas transplantadas (a mesma espécie na montanha e na planície). Dependendo de níveis de oxigênio, iluminação, umidade, etc, mudam de tamanho, de coloração, etc. Não ocorre mudança de espécie, apenas adaptação ao meio.

Portanto, a premissa científica básica é: sem a noção de “causalidade”, não há ciência. Só assim se poderá, conseqüentemente, postular verdadeiras reformas na própria Ciência, para que esta frutifique novos fundamentos na Educação, no Direito, na Medicina, etc, enfim, nas profissões em geral. Ou seja, a finalidade de resgatar a Ciência de volta para o seu verdadeiro caminho evolutivo é revitalizar o organismo social, com “nova” política e “nova” economia, tendo como “base” o crescimento do ser humano. Assim, a sociedade mais “humanizada” estará agradecida pelo progresso da Ciência.

Dr. Antonio Marques

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