Corpo, alma e espírito

Ainda persiste muita confusão entre “alma e espírito” nas mentes das pessoas. Além disso, essa pergunta parece não Ter mais cabimento nos dias atuais. Afinal esse aspecto não é nem mais cogitado nas discussões filosóficas e científicas. Não se precisa desses “acessórios” para viver, trabalhar, amar, etc. Afinal o Concílio de Constantinopla de 869 “decretou” que, a partir daquela data, o “espírito” não existia mais, apenas “alma e corpo”. E, recentemente a Ciência (através da Associação Psicanalítica Americana) “decretou” que a psiquê (a alma) não existe, apenas “corpo físico”. Assim a trindade (caráter ternário ou trimembrado: corpo, alma e espírito) foi “reduzida” à manifestação puramente físico-química. No entanto objetiva-se, neste artigo, resgatar a “imagem global” do ser humano.

Vamos buscar primeiramente a “sabedoria” (Sophia) que emana como eco da Philosophia, para secundariamente casarmos esses profundos conteúdos com os conhecimentos científicos atuais, a fim de chegarmos a uma postura inédita em Ciência. Para Platão (Timeu 89), a psykhé (ou alma) é subdividida em três partes (tría trichê): A parte superior (logistikón), “imortal”, inteligível (noêto), indissolúvel, de forma una e mais próxima do divino, do Noûs (espírito), tem a ver com o intelecto téchnai (técnico). Abaixo dessa, intermediária, a parte “mortal” (thymoeides ou timocrática) e “alógica” (Rep. 441c), que recebe seus impulsos do “logistikón”, como imitação dos preceitos, como um “cão que obedece fielmente ao seu dono”, tem a ver com a coragem, o sentimento e o senso de dever. A parte mais inferior (epithymétikón) é igualmente “mortal”, não tem lógica, pois não opina, apenas recebe influência externa de sensação, prazer e desejo. Está relacionada ao baixo-ventre (metabolismo, movimento corporal, sexualidade, “id”). Para se Ter uma correspondência moderna, a alma é trimembrada: “ego, sentimento e id” ou “consciente, subconsciente e inconsciente” ou “pensamento, sentimento e atuação”.

Para Platão, a alma realiza todos os processos fisiológicos dentro da corporeidade, pois em verdade ela sustenta o corpo. “O corpo é posto em movimento pela alma”, já dizia também Aristóteles (De Anima). Um corte na mão ou uma impressão recebida sofre primeiramente uma percepção na “alma mortal”, que transforma a impressão em qualidade a ser arrazoada pela “alma imortal, inteligível”. Somente então, a percepção tornada sensação será nomeada de prazerosa ou dolorosa. “Quando uma impressão, mesmo breve, age sobre ela (a alma), suas diferentes partes se lhe transmitem em círculo. Cada uma age semelhantemente sobre a outra, até que a impressão chegue à parte inteligente da alma e lhe manifeste a qualidade do objeto que a produziu” (Timeu 64). Apesar de sofrer todo tipo de desordens (sensações, desejos, prazeres, pensamentos triviais, etc), continua “ela mesma”. Isso ocorre porque está ao redor de um centro imutável, o Noûs, o espírito, o “Deus em nós”.

O espírito é, nesse caso, o centro do ser humano, que galvaniza a alma em torno de si. Pode-se dizer: a “consciência de sua consciência” ou, o que gera a “auto-consciência”. Assim Aristóteles aponta para essa realidade superior: “A natureza e essência do sumo princípio é espírito imaterial, ato puro, vida serena e bem aventurada, livre de toda interrupção. (…) É uma essência eterna e imóvel que transcende todo o perceptível pelos sentidos. Não pode Ter magnitude ou extensão alguma; é uma unidade indivisível, impassível, imutável. (…) É o sumo princípio de Deus. (…) Isto é o Noûs. O Noûs não é tão somente uma coisa eterna e mais perfeita de todas as coisas: o ato do pensamento é vida”. O espírito (Noûs dos gregos ou Self de Jung, ou simplesmente Eu) trabalha a partir da essência humana, se apodera dos “desejos anímicos” e se torna una com a alma. Precisa-se exemplificar melhor. Uma luva em cima da mesa fica imóvel. Ao ser calçada, ela adquire vida e se mexe. Nesse caso, já não se fala nem na luva nem na mão, mas na “mão na luva” (corpo e alma). Mas não dependem somente desses dois elementos os movimentos que se quer dar. Para isso é preciso ainda uma “mente” que os coordene. Portanto o ser humano é composto de corpo, alma e espírito. Ou como diriam os antigos filósofos gregos: corpo, psykhé e Noûs.

Bem,… como se pode entender essa “sabedoria” dentro da visão científica atual, uma vez que se vive no realismo ingênuo da Ciência indutiva experimental (empírica)? Simplesmente não se entende nada desses conteúdos e tudo isso parece “grego” para a Ciência atual. Portanto vamos seguir um caminho novo, científico também, que usa o “pensar” (o raciocínio) além da “experimentação”. Chama-se Ciência dedutiva e parte de vários elementos observáveis para chegar a uma “tese”. O objetivo é entender os “mistérios” que se escondem por detrás do ser humano. Não se deve satisfazer com as respostas atuais, que dizem que o homem é um amontoado de células, nervos e músculos (aliás, comentário dos antigos indus) e que tudo se resume em estímulos elétricos nervosos. Se assim fosse, seria um caos, porque quem coordenaria as reações químicas dentro do corpo? Seria pensar que a química teria capacidade de chorar, sentir ou pensar. Hoje, a “causa” é jogada no “transcendente” (Kant), na visão simplória que se tem sobre o ser humano. Precisamos ser conscientes e realizar a maior de todas as experiências: treinar o pensar! Portanto, “dedutivamente”, existe uma instância superior que percebe e responde diretamente no corpo, na musculatura, na forma de sentimentos ou na forma de pensamentos. A percepção é captada pelo “nervo sensitivo” e levada ao sistema nervoso central (SNC), para ser “percebida” pela alma, através da “substância química”. É essa, então, que devemos estudar, pois ao conhecermos mais profundamente a substância química, poderemos começar a entender, “dedutivamente”, como a alma atua. Assim começaremos a formular hipóteses científicas, numa nova “Ciência que adentra o reino das causas”.

Vamos pegar uma substância bem conhecida, a adrenalina, para nossa observação. Ela é encontrada na região medular das glândulas supra-renais (em cima dos rins). Essa região apresenta, via “sistema nervoso simpático”, uma ligação íntima com o SNC, cujos impulsos são canalizados ao despertar (anímico), ao catabolismo, à excitação geral, à contração, à taquicardia, ao aumento do metabolismo basal, etc, que se traduz na dinâmica da alma mergulhar profundamente para dentro do corpo. Num susto ou choque, o impulso anímico penetra via sistema nervoso (simpático) até a medula supra-renal, com liberação de adrenalina o que, em caso extremo, pode até “matar”, como no caso de grandes sustos. Como se está vendo, ela leva a alma a atuar a partir do seu centro fisiológico (o coração). Por isso ela é liberada principalmente nos “estresses” e, como medicamento, tem indicação terapêutica nas crises asmática e nas reações alérgicas graves (choque anafilático, edema de glote), quando se precisa que a alma retome a direção corporal rapidamente, fazendo com que centralize as funções a partir do seu centro fisiológico (o coração)

Outra substância que tem essa mesma atuação é a cafeína (café): Relaxa a musculatura lisa (dos brônquios), estimula o SNC e o coração. O ácido úrico, da mesma família que a cafeína (vide o desenho as semelhanças químicas), representa a fase intermediária do processo de catabolismo (destruição) da proteína, a qual deveria chegar até à “uréia”. Esta é solúvel, ao passo que o ácido úrico se cristaliza. O homem elimina pela urina o ácido úrico junto com a uréia. Nas aves e nos répteis, ocorre a eliminação pura do ácido úrico como produto final da proteína. Especialmente nas aves, as forças estruturantes partem do pólo cefálico, como se pode muito bem observar: são ariscas, espertas, excitadas, uma visão prodigiosa e, em contrapartida, um metabolismo péssimo. Isso tudo fala a favor da hipertrofia do pólo cerebral e tem a ver com a presença do ácido úrico. Esse ácido se origina das forças do pólo cefálico, como demonstram sua pouca solubilidade e sua boa propriedade de cristalização. Portanto, o pensamento, que é uma atividade catabolizante cerebral, precisa do ácido úrico para desenvolver o pensamento cerebral. Como se pode afirmar isso? 1o) O Dr. Sydenham, o primeiro clínico a estudar a Gota (reumatismo com depósito de ácido úrico nas articulações), relacionou essa patologia com o desenvolvimento do pensar. 2o) Por um “caminho dedutivo indireto”, observa-se que o anestésico barbitúrico criado por von Baeyer, em 1864, baseava-se na associação da “uréia” com o ácido malônico. A uréia é um catabólito do ácido úrico, como se afirmou acima e o “esqueleto” da fórmula do “barbitúrico” é semelhante ao ácido úrico e à cafeína, só que com 2 nitrogênios, como se pode ver no desenho. O mesmo se pode dizer dos tranqüilizantes benzodiazepínicos, também com 2 nitrogênios. 3o) Conclusão: Já que os “entorpecentes” competem com os “receptores cerebrais” do pensar, pois embotam a mente, uma substância similar deve atuar como estimulante ou como substrato do pensar. Essa química é o “ácido úrico”.

Agora pode-se formular uma “hipótese” (exposta no livro Repensar a Ciência, do mesmo autor): Sabe-se que a substância química atua corporalmente em dosagem milesimal (microdosagem). Seria como uma “fina e sutil” camada que embebe a “placa motora” do músculo ou o cérebro. Talvez a substância se transubstancie, como numa dosagem homeopática, “sobrenadando” o seu órgão efetor, para a interação com a alma. A dinamização (dos remédios homeopático e antroposófico) objetiva isso: liberar “a energia” (o espiritual) contida na matéria. O mesmo deve acontecer com o ácido úrico no cérebro, na elaboração do pensamento. Uma camada “muito sutil” dessa substância, como uma película transubstanciada deve embeber o cérebro, onde a alma inscreve os seus “desejos” pensamentais. Primeiramente, através dos nervos chegam as informações internas e externas, como numa “escala” musical, quando cada tom tem a sua específica área cerebral, para a percepção anímica. Secundariamente, para uma resposta ou para a formação de um pensamento téchnai (técnico), ocorre o que se falou: a alma inscreve nessa película “plasmável úrica”, como numa tela de “cristal líquido”, como nas moderníssimas televisões planas. Por isso se diz: “estou cristalizando uma idéia”. Não que o ácido úrico chegue à cristalização plena, mas como uma transubstanciação do processo cristalizante. Nessa matéria sutil e transubstanciada é que deve ser plasmado o pensamento.

Será um capítulo interessante o estudo fenomenológico do ácido úrico no corpo humano, além do que se conhece dele, no reumatismo gotoso. Talvez Sydenham tenha aberto uma importante porta para a compreensão da complexidade fisiológica pensamental. Certamente não devem existir receptores apenas químicos nem “centros de integração puramente somáticos”, como se imagina hoje, mas uma “película sutil da substância” que se estende por uma “superposição extensa” e que serve para a interação sômato-anímica.

A partir desse ponto de vista, se poderá entender como agem a maioria das substâncias medicamentosas, desde aquelas que estimulam até às outras que inibem uma função. Assim também se poderá entender uma composição química: a presença do nitrogênio (N) na molécula, por exemplo, tem efeito ativador sobre a alma para dentro do corpo, na dinâmica catabolizante simpática-adrenérgica. A adrenalina, por exemplo, tem apenas 1 nitrogênio, o que mostra a sua função mais fisiológica. Ao contrário, nos chamados entorpecentes, apesar de possuírem o nitrogênio na sua fórmula, este serve apenas para direcionar a substância ao cérebro; mas se somam outros “radicais” ®, vão fazer o papel inibitório sobre o cérebro. O objetivo final dos entorpecentes é impedir a atuação da alma dentro da corporeidade. Em vista disso as indicações precisam ser muito restritas e precisas, que só o médico pode indicar.

Portanto, por detrás de cada substância existem as “atividades” anímica e espiritual. Enquanto algumas substâncias favorecem a “encarnação” (tonar-se carne) da alma, outras substâncias a impedem de atuar no corpo e isso pode se traduzir em prejuízo para a globalidade humana, desde que se prolongue além da medida terapêutica necessária e criteriosa. Por isso o profissional médico tem obrigação de conhecer, além da clínica, da fisiopatologia, da farmacologia, da química, a realidade anímico/espiritual, para uma conduta dentro da realidade global do ser humano. O que foi aqui mostrado, deverá ser considerado apenas uma pequena amostra das possibilidades que se abrem àqueles que se dedicam à ciência dedutiva.

Dr. Antonio Marques

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