Enfarte ou necrose do coração

Aristóteles comparava o coração com o sol. Enquanto este está no centro do sistema solar e rege os outros planetas, aquele está no centro no corpo e rege os órgãos. Mendelsonn (1928) afirmava que “o coração é um órgão secundário; o coração não é um motor, mas um regulador”. Nesse mesmo sentido, Lorenz Oken (1964) aduzia: “O pulsar do coração não é causa da circulação; é bem o contrário: o coração bate em conseqüência da circulação”. Mais espantosamente Manteuffel-Szöge (1977), dando seqüência à experiência iniciada por Thompson em 1948, assim sentenciava: “O sangue possui uma capacidade específica e espontânea para o movimento no interior do sistema circulatório, que não depende da atividade cardíaca”. Foram feitas experiências em cães com o objetivo de se confirmar as assertivas acima: Após parada cardíaca por anóxia (falta de ar), sem movimento respiratório e saturação de 100% de oxigênio, o coração voltava a bater após afluxo de sangue. Assim também os estudantes fazem suas experiências com corações de rãs em “feiras científicas”. O coração recomeça a bater depois de circular soro no seu interior. Por isso o coração pode pulsar em seguida à morte, desde que se faça fluir “um líquido” no seu interior. Desse modo, pode-se manter “vivos” corações: em coelhos até 112 horas após a morte e no ser humano até 20 horas. Também são interessantes experiências com corações de embriões de galinha: após sua remoção, o sangue continua fluindo (babando) da “veia coronariana”, ao passo que a artéria coronariana não sangra.

Isso aponta para uma realidade importante: primariamente, o sangue é que impulsiona o coração e se movimenta espontaneamente nos capilares (pequenos vasos)! Embriologicamente o sangue nasce primeiro, antes do coração. Já no 16o dia de vida intra-uterina, no tecido extra-embrionário (fora do embrião), formam-se “ilhas de sangue”. Depois formam-se “capilares”, por onde o sangue começa a “correr” e a “pulsar” (ainda sem coração). Só mais tarde, no encontro entre “vasos maiores”, é que se forma o coração. Isso significa que o sangue circula sozinho nos capilares e, quando os vasos confluem (com aumento de diâmetros), o sangue vai caindo na gravidade, ou seja, perde velocidade. Por isso é preciso que se interponha uma “força propulsora” (o coração), no sentido de soerguer o sangue. Nesse sentido, o coração funciona como um “acelerador de sangue”, para colocá-lo de novo na periferia do corpo, onde ele se “movimenta sozinho”.

Para aqueles que apenas vêem o problema unilateralmente, o que dizer dos moluscos (lesmas) que possuem “circulação aberta”? (Como o sangue poderia voltar ao sistema venoso?). Ou dos anfioxos que não possuem coração, apenas capilares? É preciso visualizar duas forças presentes no sistema cárdio-circulatório humano: a força periférica, onde impera o movimento espontâneo (nos capilares) e a força do vis-a-tergo (tergo = costas: “a força que vem de trás”), no coração. No primeiro caso, o movimento é permanente. Por isso Aristóteles afirmava: “o movimento é eterno”. Inclusive é errado formular a pergunta: Quando começa o movimento cardíaco? O movimento não começa, pois é eterno, é divino. Por isso é que o movimento do cosmo, dos planetas, das águas do mar, dos ventos, etc, é contínuo, permanente. Portanto, na periferia do corpo (nos vasos sangüíneos), impera a “força do cosmo”, da leveza. O mesmo se pode observar na “tonelada” de pó ou água (nuvens) que fica flutuando no “céu”. A poeira ou a água quando chegam à terra têm peso, mas no ar não pesam. Impera uma força contrária à da gravidade: é a força da periferia ou a força da vida (ou vital). Corresponde à segunda pergunta, que Newton não formulou: “Como a maçã foi parar na ponta do galho?” (Ele só observou a maçã que caiu pela força da gravidade). No segundo caso, “vis-a-tergo” significa a força cardíaca que se precisa fazer para “bombear” o sangue que caiu na gravidade. Nesse sentido a pergunta certa é: Quando começou a parada do movimento (a contração, a batida)? A sístole (a contração) tem a ver com a força impulsionadora cardíaca, a força terrestre (começou a bater um dia); a diástole (quando o coração se enche de sangue) tem a ver com a “força da leveza, da fluidez”, do “movimento contínuo”. Portanto poderia ser dito que, no sistema cárdio-circulatório, existem duas forças: a força da gravidade (coração) e a força da leveza (capilares).

Vamos fazer um teste com o leitor. Qual coração “bate” mais: o do elefante ou o do camundongo? Se se for pensar apenas mecanicamente, como se fosse uma “bomba”, o coração do elefante teria que bater mais para “movimentar” mais sangue num corpo mastodôntico, mas nele o coração bate 25 batidas por minuto (bpm), enquanto que, no camundongo, bate 1.000 (mil) bpm. Isso aponta para uma outra realidade por detrás do coração: a vida psíquica (a alma). O ratinho é excitado, estressado (por isso seu coração bate rápido), ao passo que o elefante é calmo e tranqüilo (desde que não se mexa com ele). Assim se visualiza o coração como órgão “central” da alma, tal qual Aristóteles se referia, onde se tem a vida do “sentimento”. Por isso fica-se “vermelho” de raiva ou “branco” de medo. É a alma que se casa com a “substancialidade” (o corpo) e se manifesta com as “multicoloridas” qualidades anímicas. Nesse sentido, a principal função do coração é gerar “tensão”, pressão arterial (PA). “O trabalho tensional representa aproximadamente um valor cem vezes maior do que o de impelir o sangue. Na realidade ele é praticamente nulo, já que o sangue chega ao coração fluindo e não é impelido por ele” (1). Ou seja, apenas 1% do trabalho cardíaco é para impelir (bombear, acelerar) o sangue; os 99% são para gerar PA. Essa tremenda “tensão muscular” (PA) faz-se necessária apenas para abrigar a alma dentro do corpo. Pode-se dizer que se precisa viver “um pouco estressado” para se ter uma vida pensamental, sentimental e uma atuação corporal. (Essas são as três qualidades da alma: pensar, sentir e querer). Do que foi falado, pode-se deduzir que isso não corresponde à idéia de um motor (uma bomba), pois a máquina tem que ser econômica e seu mecanismo “fisiológico”. Como se está vendo, no coração impera um sistema “anti-fisiológico” (e não-econômico) e isso ocorre porque vigem por trás o espiritual e a alma, os quais exigem uma certa dose de “estresse”. Dessa maneira fica-se beirando certas doenças, como o enfarte.

Pela visão acadêmica, alopática, o enfarte (infartum = o que está preenchido) é decorrente do estreitamento do vaso sangüíneo coronariano, geralmente por deformação arteriosclerótica (na velhice), chegando à isquemia (falta de sangue) na região cardíaca. No entanto a pesquisa científica dedutiva/goetheanista (vide outro jornal FORUM 3, sobre esse assunto), aponta para um caminho contrário. A tendência arteriosclerótica aumenta após os 60 anos, ao passo que os enfartes diminuem a partir dessa idade. Isso pode ser confirmado pelo estudo de Kern e Rothmund (Die Verhnetung von Myocardinfarkten durch Myocard-Euthetiesierung, 1967). Ou seja, enquanto que atualmente os enfartes crescem em torno de 3.000%, a incidência arteriosclerótica cresce apenas 1 a 2% (Apud Huseman/Wolff (2)). Se também a causa fosse apenas arteriosclerótica, os enfartes teriam incidência igual nos dois ventrículos, o que não se constata, pois os enfartes atingem 99% apenas no ventrículo esquerdo (VE)(3). Autópsias em soldados jovens que morreram na guerra mostraram oclusão arteriosclerótica nas coronárias, sem serem de cardiopatas. O que se quer afirmar é que o enfarte tem a ver primeiramente com o “estresse excessivo” (principalmente o promovido pela vida moderna). Associado a fatores de risco: tabagismo, alcoolismo, vida sedentária, obesidade, hipertensão, esforço exagerado, infecções, etc tem aumentado muito a sua incidência em pessoas jovens.

Como se pode entender a sua gênese? Primeiramente as camadas internas do VE encontram-se exangues (sem sangue) na sístole. Quando o coração bate, o sangue vai para todo o corpo, menos para o coração. Só na diástole (quando o coração relaxa) é que o coração se enche de sangue e pode se “alimentar”. O “ácido láctico” formado pelo trabalho muscular é conduzido ao fígado para se transformar em ácido pirúvico (para entrar no ciclo do açúcar). É importante ressaltar que a fibra cardíaca não se regenera e os dois ventrículos possuem o mesmo número de fibras. Só que as fibras do VE dobram de diâmetro, necessitando, portanto de mais oxigênio e nutrientes. Agora entra o segundo aspecto mais importante. Por essas características citadas, o pH (acidez) do sangue no VE é de 6.7 e, no resto do miocárdio (músculo cardíaco), é de 7.0 a 7.2. Ou seja, no VE prepondera uma acidez (pH mais baixo) e isso é perigoso. Como a energia muscular cardíaca é por via aeróbica (necessita de oxigênio), com qualquer esforço exagerado do miocárdio, forma-se mais “ácido láctico”. Esse “ácido” faz com que se “acidifique” mais o VE e, se o valor do pH descer a níveis de 6.2, associado a anomalias metabólicas, como por exemplo, uma “fermentação anaeróbica” (formação de álcool), a célula cardíaca morre! Assim se processa o enfarte. Por isso o anatomopatologista Giogi Baroldi afirmava que, no enfarte, ocorre basicamente uma necrose idiopática do miocárdio. Essa é também a visão do Prof. Dr. Q. H. Mesquita (cardiologista), segundo o qual o enfarte é de causa “miogênica” (muscular). Assim opinou a Internationale Gesellschaft für Infarktbekämpfung (Sociedade alemã de combate ao enfarte): “Nós mesmos não estamos convictos, porém, de que este fato esteja baseado em uma insuficiência local seletiva, mas sim de que a particularidade biológica desta situação nas partes internas do VE (innenschichten des linken ventrikels) é a causa das necroses progressivas que se verificam passo a passo.” (Apud Mesquita (4)). Em terceiro lugar, os focos necróticos celulares se coalescem e promovem intumescimento dos vasos coronarianos. Conseqüências: trombos e “entupimento” (infartum). Só a fase final da doença, portanto, é que corresponde à visão acadêmica.

Portanto o enfarte é primariamente um problema miocárdico e não coronariano. Para explicar isso, foram importantes os passos “dedutivos científicos” iniciais deste artigo, no sentido de se chegar ao “conceito” (ou tese). Por isso é que a terapia da “necrose miocárdica” deve ir além do que se usa em termos de b -bloqueadores, tranquilizantes, vasodilatadores, anticoagulantes, etc. É claro que, numa emergência, precisa-se de recursos hospitalares acadêmicos, por ser esta uma doença fatal. No entanto deve-se buscar a origem dessa patologia na psiquê (na alma), como se viu, no intuito de se utilizar uma terapia causal e “preventiva”. Deve-se desviar a alma, que se encontra erroneamente fixada no sistema nervoso (intelectualismo, pensamentos frios) e na esfera cardíaca (somatização do estresse), para a esfera do metabolismo. Três condutas preventivas são usadas nesta Clínica: 1) um medicamento visa revitalizar a fibra cardíaca, manter o aporte de oxigênio e “relaxar o psiquismo” (sem usar entorpecentes cerebrais); 2) outro medicamento fortifica o metabolismo hepático, biliar, pancreático, etc. (assim a alma é canalizada para baixo); 3) e por último, como profilaxia, orienta-se para a prática de exercícios físicos, alimentação balanceada, terapia pela arte, avaliação biográfica, higiene anímica, “meditação espiritual”, etc. Ou seja, estimula-se o paciente a procurar um caminho novo, ao invés de uma vida sem sentido, pasmacenta, sem ideal, fria e intelectual.

Finalizando, é preciso ver que, por detrás de toda manifestação corporal, encontram-se o anímico e o espiritual. Adentrar no “reino da causa” corresponde ao patamar mais elevado da “arte médica”. Parafraseando o grande filósofo Johann Gottliebe Fichte, o estudo da ciência experimental (empírica) não dispensa absolutamente a aquisição de conhecimentos filosóficos profundos (pensamentais dedutivos). Pelo contrário, esses conhecimentos provam exaustivamente serem indispensáveis.

1 HUSEMAN, F. e WOLFF, O. A Imagem do homem como base da arte médica-II. São Paulo : ABT, 1984. p.560.

2 Idem, p.576.

3 Idem, ibidem.

4 MESQUITA, Q. H. Dr. Como escapar da ponte de safena e do enfarte do miocárdio só com remédio. São Paulo: Ícone, 1991. p.32-3.

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