Existe nervo motor?

Este tema, por demais polêmico, toca fundo no ponto “nevrálgico” da Ciência atual. Esta se fixa apenas no que o sensório constata pela “experimentação e repetição” (empirismo indutivo). Parte-se do puntiforme, de poucos elementos e se deseja com isso conhecer o macrocosmo, o organismo, “o todo” (é a “ação amplificadora” de Bacon). Não resta dúvida de que se deve agradecer pelos progressos alcançados por esse método empírico da ciência atual que, no fundo, tem realizado verdadeiras proezas “tecnológicas”.

No entanto, o grande erro está em transplantar o que é “tecnológico” para o “organismo vivo”, como hipóteses tecnicistas que tentam explicar como o homem pensa, sente e atua no corpo. Mas como Pascal disse: “a maioria dos nossos erros decorre de raciocínios bem estruturados baseados em fatos mal observados”. Nesse sentido, é preciso que se realize uma grande síntese dos progressos científicos indutivos e dedutivos, para se entender como o ser humano mexe o seu corpo.

Através dos argumentos científicos mediatos (filogenético, embriológico e neurológico) provar-se-á que “não existe nervo motor”. Existem apenas nervos sensitivos: aferente e eferente.

Este artigo foi elaborado no intuito de responder à sentença de Rudolf Steiner (transcrita no livro do Dr. Mees)1 : “A vida social só será revitalizada se a Humanidade reformular o conceito de Nervo Motor”. Por vários anos o autor conviveu com esse questionamento: O que tem o nervo motor a ver com isso ?

Antes de entrar no tema propriamente dito, é preciso conhecer os argumentos científicos que serão aqui abordados. Como condição vestibular é preciso que se desenvolva a verdadeira ciência, a que adentra no “reino das causas”. Pois, não se pode conceber o desenvolvimento da ciência, sem a noção de causalidade (Aristóteles). Nesse sentido é preciso que se conjugue o “pensar” (questionamento) com o “tecnicismo” (atuação no mundo). Através do próprio caminho científico, o qual foi traçado por Aristóteles, deve-se utilizar os passos necessários para se chegar ao “conceito” (ou tese). Para isso existem dois caminhos: as deduções imediatas (os axiomas) e as deduções mediatas (através de vários argumentos “verdadeiros”, procura-se chegar ao “conceito”). O axioma é uma proposição não demonstrável cuja aceitação como verdadeira se impõe na formação de uma seqüência lógica. Ex.: “Para pensar, é preciso existir”2. É uma sentença completa em si mesma. Mas só isso não basta. É preciso que se desçam aos detalhes. Para isso precisa-se entender as duas definições nominais apontadas (o pensar e o existir, no exemplo). Estas servirão como teses, para serem estudadas. Só que também as definições nominais dizem apenas “o que elas são” (ou seja: pensamento e existência), mas não dizem se elas existem, como se manifestam, se sofrem interferências, suas quantidades, suas qualidades, etc.

Justamente nesse ponto, ocorre um divisor de águas, entre as duas principais visões científicas: A Ciência atual pára nos axiomas e nas definições nominais (o que é uma coisa) e através dela formula suas hipóteses, as quais ninguém discute (como dogmas!). Ela reduz a poucos elementos o universo, o ser humano, o “todo”; e os “elementos causais” são jogados no transcendente (Kant). Assim a “substância química”, o “nervo”, seriam capazes de realizar proezas fantásticas, como pensamentos, sentimentos, desejos e movimentos corporais. Por isso ela é dualista, indutiva, experimental (empírica), cartesiana, baconiana, kantista e platônica.

O termo “nervo motor” só foi consagrado porque a ciência tornou-se “tecnicista-indutiva-empírica” e não tinha como explicar a “atuação corporal” (o que é vivo). Fixou-se no axioma: “o corpo movimenta” e a definição nominal (o movimento) foi imputada ao que se supunha mais evidente: hipótese do nervo motor. Como se observou que a resposta nervosa motora era próxima do estímulo (como no reflexo do joelho, ao se bater com o martelinho), fez-se pensar que se tratava de um “nervo motor” para realizar a atuação muscular. Essa postura terá que ser revista, para um novo paradigma científico que deve nascer daqui para frente. Nesse sentido, necessita-se fazer a “pergunta”: Quem coordena o corpo? Será apenas a química: serotonina, adrenalina, acetilcolina, sódio, etc.? Será que esses produtos pensam, sentem, agem sozinhos? Seria um “caos” se assim fosse. É claro que se tem que agradecer muito aos pesquisadores Lewandowsky pelos estudos publicados em 1898, Langley em 1901, Löwi em 1921, Hodgkin em 1952 e aos modernos neuro-fisiologistas, pelas “experiências” comprobatórias no campo da pesquisa das “substâncias químicas na placa motora” (Goodman & Gilman, 1991). No entanto, o grande erro está em transplantar o que é “tecnológico” para o “organismo vivo”, com hipóteses tecnicistas que tentam explicar como o homem pensa, sente e movimenta seu corpo.

A Ciência dedutiva-goetheanística dá um passo além, pois parte da observação do fenômeno, associam-se os argumentos científicos mediatos (categorias e silogismo aristotélicos, roteiro científico goetheanístico3 e descobertas científicas atuais) no sentido de se chegar à tese ou à idéia do fenômeno. Pode-se resumir assim: “observar, intelectualizar e intuir”. As hipóteses são formuladas através das deduções mediatas (utiliza-se o silogismo dedutivo – ou seja, tira-se a conclusão através de duas outras proposições tidas como verdadeiras). Por incrível que pareça, esta é a forma que mais se utiliza nos raciocínios científicos. Parte-se do “todo” (o universo, a natureza), para se chegar aos detalhes. Enfim, busca-se entender a realidade do fenômeno. E o que é realidade? No sentido aristotélico significa os “elementos causais” em comunhão com sua “manifestação física”. Por isso ela é chamada monista, dedutiva, experimental (mas não empírica), aristotélica, goetheanística, steineriana.

Após essa introdução, se começará este artigo com a pergunta: “Como o ser humano mexe o seu corpo?” É preciso superar as visões científicas “indutivas” simplistas de Pribam (hipótese dos “campos micropotenciais”), de Barlow (hipótese das “interações neuronais individuais”), de Popper/Eccles (hipótese dos “módulos corticais”), etc. O próprio Leucipo, considerado o fundador do atomismo e do materialismo mecânico (junto com Demócrito), é mais conseqüente e assim afirmava: “Nada acontece por acaso ou sem causa; tudo ocorre de acordo com a razão (Noûs, espírito) e por necessidade (ananké ou carma)”. Nesse sentido, precisa-se explicar “dedutivamente” o “porquê” de o organismo se mexer, o “porquê” de ele reagir de determinada maneira, etc. Primeiramente é preciso partir dos fatos cognoscíveis (conhecidos).

Primariamente, na região cerebral do sistema nervoso central, o neurônio se localiza no córtex (“na superfície”, com 1,3 mm de espessura) e de lá envia seus axônios de até um metro de comprimento, para dentro do corpo. A aparente inércia cerebral contrasta com a profusão de pensamentos, impulsos nervosos e neuro-transmissores de toda ordem: conscientes, subconscientes e inconscientes. Inclusive, processos químicos atuam ativamente com o “psiquismo” na elaboração dos pensamentos. Além dos sais minerais, as substâncias nitrogenadas participam intensamente da inter-relação psíquico-corporal, como a adrenalina, a serotonina e outras substâncias. Secundariamente é preciso observar “como” os impulsos nervosos chegam ao músculo, no sentido de realizar a “atuação corporal”. Portanto são dois aspectos abordados neste texto: o que acontece nos órgãos dos sentidos (como percepção) e o que acontece nos órgãos da volição ou do querer (como movimento).

A velocidade de um impulso nervoso varia conforme a sua espessura e a sua função. Por exemplo, as sensações de pressão e tato “viajam” mais rápido que as sensações de dor e de temperatura; as primeiras têm fibras de 8 micrômetros, com um velocidade de 50 m/s e as segundas têm 3 micrometros e uma velocidade de 15 m/s (Venturoli, 1995). Somos induzidos, pela visão científica atual, a pensar de uma forma simplista: o cérebro comanda o estímulo e o nervo motor executa o movimento. Para abordar esse aspecto, é preciso perguntar: o que nasce primeiro, o cérebro ou a medula? A embriologia responde: no embrião, o sistema nervoso central nasce como um bastão (tubo neural) invaginado do ectoderma dorsal e, com a evolução, a parte cranial desse bastão se metamorfoseia em encéfalo. Por isso, no adulto, o cérebro se apresenta como órgão desenvolvido e a medula espinhal como órgão que estagnou. Essa constatação já aponta para uma característica importante: como a medula é mais antiga (ela nasce primeiro), ela é sede dos “movimentos” autômatos e dos reflexos. Por isso é que o sistema nervoso autônomo não possui neurônios no cérebro. O sistema nervoso simpático se origina totalmente da medula (T1 à L2) e o parassimpático, da medula sacral e tronco encefálico. Portanto a atuação motora nasce primeiro (nasce como instinto) e só depois o cérebro desempenha uma atuação como órgão “modulador” do movimento. O que se quer dizer é que existe movimento antes do cérebro, como se observa em animais inferiores (sem cérebro). Por isso o cérebro não é sede do movimento, pois sua atuação é secundária (ele nasce depois); ele apenas “coordena, modula” os movimentos.

“O encéfalo não passa de uma massa medular desenvolvida ao mais alto nível. Enquanto os nervos, a serviço, principalmente, das funções orgânicas inferiores, têm seu ponto inicial e final na medula, aqueles que servem às funções orgânicas mentais mais elevadas, mormente os sensoriais, terminam e começam no cérebro. Até aparece totalmente formado o que na medula se achava apenas indicado como potencialidade. O cérebro é uma medula aperfeiçoada, (e esta) um cérebro ainda não plenamente desenvolvido. Ora, as vértebras da coluna vertebral são adequadas às várias partes da medula, servindo-lhes de órgãos envoltórios. Daí a probabilidade de serem os ossos que envolvem o cérebro apenas vértebras evoluídas, já que o cérebro é apenas uma medula elevada à mais alta potência. Toda cabeça parece, desta maneira, pré-formada nos órgãos inferiores do corpo” (Steiner, 1980).

Como se está vendo, filogeneticamente, o movimento nasce primariamente como instinto, seja da alimentação, da reprodução ou da motricidade, e emana dos próprios órgãos do metabolismo, da reprodução e muscular, respectivamente. Por isso a vontade, o querer, o impulso motor, nunca poderia ter a sua sede na região motora do cérebro. Pelo contrário, o impulso motor emana dos próprios órgãos musculares integrados à medula espinhal; ele emerge do profundo inconsciente como impulso, como instinto, como “movimento” que existe no que é vivo. E o movimento é eterno já dizia Aristóteles. Aliás, o movimento não nasce, ele existe! Por isso o cérebro não é o gerador de impulsos motores, mas apenas regula e controla os impulsos volitivos.

Assim se observa que todos os seres vivos, mesmo os mais primitivos, se relacionam com o meio ambiente de três maneiras: pela sensibilidade, pela condutibilidade e pela contratilidade (Machado, 2001). A sensibilidade é a propriedade de a célula absorver os estímulos dados; a condutibilidade é a propagação do estímulo para dentro da célula (ou para dentro do corpo do ser vivo através do “nervo” e suas sinapses) e a contratilidade é a resposta da célula (ou do corpo) ao estímulo, ao meio ambiente, por meio dos músculos. Em animais primitivos unicelulares, como na ameba, mesmo sem ter um sistema nervoso central (SNC), apresenta esses três processos de sensibilidade, condutibilidade e contratilidade. Ou seja, esses processos se passam no protoplasma, no corpo da célula, como se pode ver no desenho (a). Pode-se dizer que é no protoplasma que se manifestam os primeiros rudimentos de sensibilidade e contratilidade. Com a evolução, os estímulos começam a ser absorvidos por células especializadas (células nervosas ou neurônios), numa forma de primeiro tomar “conhecimento” do que está acontecendo lá fora, para em seguida direcionar os estímulos já “conscientizados” à célula muscular, no sentido de dar uma resposta ao estímulo recebido. Ocorre um processo de interiorização sensitiva, via nervo, cuja finalidade é primeiro tomar “conhecimento” (consciência) do que está ocorrendo, para em seguida dar uma resposta (principalmente muscular). Isso ocorre nas esponjas (phylum Porifera); estas apresentam um pequeno grau de especialização, quando algumas células peri-bucais sofrem polarização: a parte voltada ao exterior se torna “sensitiva” (neurônio) e a parte interna adquire característica muscular (b). Pode-se dizer que, nas esponjas, os três processos citados se centralizam nesta polaridade celular. Nos metazoários, mais complexos, seguindo a evolução, esta polaridade se acentua, surgindo no ectoderma da superfície corporal células especializadas para captar estímulos: são os primeiros neurônios (que provavelmente surgiram nos celenterados). As outras células que se interiorizaram de origem mesodérmica, se transformaram em células musculares. Assim, um estímulo sensitivo é absorvido pelo neurônio e se interioriza diretamente até o músculo. Este processo, nos tentáculos da anêmona do mar, permite apenas respostas locais, com objetivo de deslocar as partículas alimentares em direção à boca do animal, mas demonstra enfaticamente a característica “sensitiva” que o nervo tem, sendo o órgão efetor o músculo. Já em um grau mais avançado na escala evolutiva, nos platelmintos e anelídeos, existe um sistema nervoso intermediário, entre o periférico e o central . Assim, na minhoca (c), anelídeo, essa polaridade se acentua: um neurônio atinge vários músculos: um cordão neuronal segmentar e um grande número de axônios de associação que ligam os vários segmentos entre si, com a superfície e o músculo. Já em grau mais avançado, nos animais vertebrados e no homem (d), intercala-se, entre a superfície corporal e o músculo, o SNC. No entanto o sentido do impulso nervoso continua o mesmo: processo sensitivo de interiorização.

Como se vê, a finalidade da célula nervosa é basicamente “sensitiva”, ou seja, um caminho de interiorização do estímulo tanto do ponto de vista filogenético como embrionário. Esse primeiro aspecto se denomina “percepção dos sentidos”. E mesmo quando ela deposita as suas terminações nos músculos, na “placa motora”, isso se processa através de substâncias químicas, e são estas as responsáveis pela “atuação” (resposta) muscular. A isso se denomina de “movimento” e se encontra no pólo “metabólico-locomotor”, centralizada nas regiões abdominal e dos membros, que se pode também denominar: “volição, querer ou atuar”. Os metazoários, que são animais mais complexos, apresentam a formação de um meio interno (órgãos internos, mucosa intestinal, etc), fazendo com que a inervação sensitiva aqui desempenhe um papel semelhante, levando também as informações das condições internas (pela via “sensitiva”) para tomada de “consciência-somática”. Portanto, tanto o meio externo como o meio interno recebem inervação sensitiva, no intuito de informar a um órgão central, o que está ocorrendo e, através de outra inervação, também sensitiva, leva esse impulso ao músculo, gerando movimento

É interessante observar que, na evolução, o corpo do neurônio foi se interiorizando no animal, numa forma de maior tomada de consciência: nos celenterados o corpo do neurônio está na superfície externa da pele, em alguns anelídios (minhocas), esse corpo do neurônio está localizado a meio caminho entre o epitélio de revestimento externo e o interior do animal; e, nos vertebrados, a quase totalidade dos corpos dos neurônios se encontra nos gânglios sensitivos situados perto do sistema nervoso central (SNC). Quanto mais profundo o “gânglio” estiver situado, maior consciência-somática o animal (ou o homem) terá sobre o seu corpo ou sobre o meio ambiente. Quando um estímulo toca a nossa pele e, dependendo da intensidade, pode ser um estímulo doloroso, a sensibilidade é levada a té a medula, para fazer sinapse em dois caminhos: um cranial com objetivo de tomada de consciência-somática do que está acontecendo, e outro, ao mesmo tempo, o nervo segue o seu trajeto via medula anterior até o músculo, para que este execute a sua tarefa efetora, de forma reflexa independente da consciência-somática. Outro tipo de neurônio é chamado de neurônio de associação que, como o nome está dizendo, faz as associações entre os vários neurônios, sendo, portanto, o seu corpo situado sempre dentro do SNC. Isto constitui o principal fator de tomada de consciência-somática do animal frente à mudança de ambiente e por isso se nota mais sua presença nas extremidades anteriores, que são o local onde ele toma os primeiros contatos com o meio externo. Isto tem uma importância capital no desenvolvimento do encéfalo durante a filogênese dos vertebrados (encefalização), sendo que no homem este processo atinge o acme da evolução através do desenvolvimento da área pré-frontal do cérebro. O mesmo não acontece com os neurônios que têm atuação na musculatura lisa, no músculo cardíaco e nas glândulas. Nestes casos seus corpos neuronais ficam fora do SNC, nos gânglios vicerais, porque aqui a “atuação” deve ficar profundamente inconsciente. Fica assim demonstrado que, quanto maior a interiorização dos neurônios, nos gânglios neurais ou na parte nobre do SNC (córtex), maior a conscientização se processa no animal e isso é mais expressivo no homem. Mas a parte vegetativa não precisa ficar consciente e, portanto seus corpos neuronais ficam do lado de fora do SNC, nos gânglios viscerais.

Como se está vendo, continuam estes dois parâmetros do nervo: captação sensitiva e movimento. Ou seja, a sensibilidade vai se aprofundando na escala evolutiva animal, numa forma de tomada de consciência-somática do mundo externo (e do mundo interno) e a propagação do estímulo de um nervo a outro ou a um órgão efetor se faz através da “substância” nas sinapses, para gerar movimento. A primeira compreensão dos neuro-transmissores foi feita no começo do século XX, com Lewandowsky em 1898 e Langley em 1901, quando observaram semelhanças entre os efeitos de extratos de glândula supra-renal e a estimulação dos nervos simpáticos (Goodman & GIlman, 1991). A mesma substância química que estimulava o impulso nervoso era a que existia na supra-renal, a nor-adrenalina. Assim, estava-se aproximando da compreensão de que era a “substância química” a intermediária entre o “impulso nervoso” e sua atuação física.

Para avançar um pouco mais, no sentido de compreender quem é o “autor do movimento”, já que se supõe que deva existir uma consciência no ato executado, necessita-se refutar alguns parâmetros consagrados. O termo condução nervosa significa a passagem de um impulso ao longo de um axônio ou fibra muscular; o termo transmissão refere-se à passagem de um impulso de uma junção sináptica ou nervosa à outra, o que é feito através da substância chamada “neuro-transmissor”. Sabe-se que existem duas vias nervosas viscerais (simpático e parassimpático) que atuam para dentro da corporeidade, cada uma com um tipo de neuro-transmissor, a nor-adrenalina e a acetil-colina respectivamente, realizando ora funções de contratilidade ora de relaxamento. O interior do axônio dos mamíferos é aproximadamente 70 mV negativos (carga elétrica) em relação ao exterior, tendo uma concentração 40 vezes maior de potássio (K+) do que no líquido exterior, sendo que a membrana é altamente permeável a este íon. Os íons sódio (Na+) e cloreto (Cl-) estão presentes no líquido extracelular e a membrana do axônio em repouso é menos permeável a estes íons. Esses gradientes salinos diferentes são mantidos por transportes ativos ou “bombas de íons”, dependentes de energia de uma enzima, a adenosina-trifosfatase (ATPase). Só que a explicação tecnicista diz que a própria ATPase é ativada pelo Na+ que penetra na superfície interna e pelo K+ que sai para a superfície externa da membrana. Num jogo entre ATPase de um lado e o Na+/K+ do outro, cai-se em contradição, como forças do acaso, auto-geradoras, o que provocaria um caos, se cada neurônio resolvesse agir por conta própria. A pergunta é: quem dá o “start”? Somente em casos patológicos, de um distúrbio psico-motor, quando o paciente não consegue dominar os seus movimentos, isto poderia corresponder à visão científica atual da condução nervosa. Só que essa explicação acadêmica ficou presa somente ao evidente, à experiência indutiva. Falta agora “raciocinar” sobre as questões fundamentais e cruciais da fisiologia orgânica. Será que o impulso anda sozinho? Será somente o sódio (Na+) que penetra na fibra e desencadeia o impulso? E quem controla o sódio, para não desencadear uma despolarização (estímulo) descontrolada na fibra? Será somente a ATPase a causa? E quem a controla? Existe um órgão centralizador? E se existe, será somente a química? Como pode a química reagir sozinha, sem levar ao caos?

“Aqui, surge em seguida a pergunta: como se integram no organismo, por um lado a percepção dos sentidos, na qual desemboca a atividade dos nervos, e pelo outro lado a capacidade do movimento, na qual desemboca o querer? Uma observação sem preconceitos mostra que estas duas atividades não pertencem ao organismo no mesmo sentido como pertencem a ele a atividade nervosa, o fenômeno rítmo e os processos metabólicos. O que acontece num órgão do sentido é algo que não pertence ao organismo de forma imediata. Nos órgãos dos sentidos o mundo exterior se expande para dentro do organismo como através de golfos. Na medida em que a alma abarca o acontecer que tem lugar no órgão do sentido, ela não participa de um processo orgânico interno, mas participa da continuação de um processo exterior para dentro do organismo. (…) Em um processo do movimento tampouco tem a ver com algo que, na sua essência se encontra dentro do organismo, porém, tem a ver com uma atividade nas condições de forças e de equilíbrio nas quais o organismo está colocado perante o mundo exterior. Dentro do organismo, só se pode conciliar com o querer um processo do metabolismo; mas o acontecimento provocado por este processo é simultaneamente uma essência dentro das condições das forças e do equilíbrio do mundo exterior; e a alma, enquanto atua querendo, transcende a esfera do organismo e participa, com seu fazer, na esfera do mundo exterior. Uma enorme confusão, na observação de todas estas coisas, foi provocada pela divisão dos nervos em nervos motores e sensitivos. Ainda que esta divisão apareça tão bem fundamentada no pensamento fisiológico da atualidade: ela não se baseia numa observação objetiva. O que a fisiologia expõe baseada no seccionar dos nervos ou na exclusão patológica de certos nervos, não prova o que resulta a partir da experiência ou do experimento, porém algo totalmente diferente. Prova que não existe a diferença que se supõe entre os nervos sensitivos e motores. Ambos os tipos de nervos são, muito mais, na sua essência, idênticos. O chamado nervo mortor não serve ao movimento no sentido em que esta teoria expõe esta divisão, porém como portador da atividade do nervo serve à percepção interior daquele processo do metabolismo que dão o fundamento ao querer, tal como o nervo sensitivo serve para a percepção daquilo que acontece nos órgãos dos sentidos”. (Steiner, 2002).

Como se está vendo, os nervos fazem essas duas funções: percepção dos sentidos e movimento. E são sempre sensitivos. Para esclarecer melhor, o autor denomina no primeiro caso de “Nervo Aferente”, o que capta o estímulo e “Nervo Eferente”, o que leva o estímulo até a placa motora muscular. No caso de consciência-pensamental, ao desejar realizar um ato, “pensa-se primeiro” e dentro do inconsciente, o músculo se mexe, realizando o movimento, conforme a potência que se quer dar: se é para tocar um instrumento musical, para dar uma martelada num prego ou pegar um objeto. Isto mostra que as enzimas, íons e outras substâncias químicas são apenas instrumentos de algo superior. É claro que se pode ver aqui a atuação da psykhé (alma em grego), que mantém o equilíbrio relativo entre os íons, dentro e fora da membrana. Ao desencadear um “desejo”, o impulso “anímico” passa ao íon Na+ (ou cálcio no coração: Ca2+) e este penetra na membrana do axônio, com ajuda energética da ATPase, desencadeando assim o estímulo. Pode-se visualizar as fibras nervosas descendo pela parte posterior da medula espinal, passando para a parte anterior da mesma, para realizar as sinapses, cujo objetivo é para gerar mais consciência somática. Já na outra fibra pós-sináptica (gânglio neural), na parte anterior da medula, o estímulo é direcionado até o músculo (placa motora), culminando no “movimento-consciente-pensamental”. Por serem fibras sensitivas, todo este processo está mergulhado no inconsciente. Só se toma consciência-pensamental ao se pensar em algo e no ato de fazer, pois ambos são executados simultaneamente: ao mesmo tempo que se pensa fazer um ato, já o está praticando, pois entre “o pensar e o agir” não existem separações.

Portanto, repetindo a pergunta: “quem movimenta o corpo?” A psykhé, onde se encontra o verdadeiro substrato para as explicações dos desejos, paixões, sentimentos, amor, ódio, religiosidade, ciência, conhecimentos, pensamentos triviais, etc. Com Sigmund Freud foi dado o primeiro passo para a compreensão de que os distúrbios humanos eram causados pela “experiência de vida”. Além destas qualidades anímicas, a alma (ou psique) “percebe” o que ocorre nos mundos externo e interno e realiza a resposta efetora muscular. Assim se tem na alma humana a centralização das atividades psíquicas (pensar, sentir e querer); e uma das suas funções é a “ação” (querer) muscular, através das substâncias químicas. O exemplo mais simples e conclusivo é o caso dos celenterados, quando apenas um pequeno filete de fibra nervosa sensitiva leva o estímulo do exterior para dentro do corpo do animal, até ao músculo. (vide Fig. 2b). Com a evolução, a complexidade foi surgindo, a interiorização foi ocorrendo, a rede de neurônios de associação foi aumentando, tudo com intuito de maior conscientização psico-somática. Mas sempre o estímulo sensitivo deseja chegar ao órgão efetor, que é o músculo, para assim a alma poder realizar a sua função.

Como se está demonstrando, pela lógica, é a alma que percebe o mundo externo e interno via “nervo sensitivo” e atua no músculo através das substâncias químicas (sub-stare). Portanto, não existe nervo motor. Só existem nervos sensitivos: aferente e eferente. É a alma que “atua” (volição, vontade, querer) diretamente no corpo e no músculo, através da substância química (Marques, 1996). Portanto, por meio destes três “argumentos verdadeiros” (filogenético, embriológico e neurológico), conclui-se que não existe nervo motor (dedução mediata). Como o objetivo da Ciência é buscar o “reino das causas”, quem atua no corpo é a alma. “O corpo é colocado em movimento pela alma”, já dizia Aristóteles no De anima (Aristóteles, 2006). Só que a alma (ou psykhé) atua no corpo através da substância química (sub+instância, o elemento inferior que se deixa permear pelo superior). Ocorre um casamento entre a alma e o corpo, porque afinal o corpo sozinho é um “cadáver”, não se mexe. A isto se denomina de “Psico-somática”, um título importante da Psiquiatria e que hoje não se presta atenção a ela. No futuro, acredita o autor, deverá ser a pedra angular para a compreensão da fisiologia e das patologias humanas. Inclusive Goethe, no seu famoso ensaio cientiífico, uma obra pouco conhecida, diz que “Fisiologia é o conjunto orgânico sob domínio do Espírito” (Goethe, 1997). Nesse caso, o sistema nervoso é apenas o instrumento da alma no corpo, pois é através dele que a alma percebe o que ocorre externa e internamente e atua diretamente na “placa motora”, através da adrenalina, acetilcolina, etc.

Um exemplo sobre a atuação anímica no corpo: uma luva não se mexe. A luva calçada adquire movimentos, pois se está falando da “mão na luva”. Mas esse conjunto precisa da “razão” para coordenar o movimento: o espírito humano. Portanto, assim como o sistema nervoso se especializa e se subdivide em infindáveis filetes, gânglios, tractos, núcleos, fascículos, etc., assim são os pensamentos triviais (intelecto), os sentimentos (de toda ordem) e os movimentos no corpo (conscientes e inconscientes), os quais correspondem às qualidades psíquicas (pensar, sentir, querer), respectivamente. Mas existe uma instância mais profunda, pois por detrás de tudo isso, continua-se a “ser a mesma pessoa” interiormente. O que se denomina de self ou eu (ou espírito). É a “consciência de si mesmo” (ou consciência da sua própria consciência). Por isso o filósofo da “lógica” já sentenciava: “O homem não possui apenas uma psykhé, mas também um noûs” (O homem não possui apenas uma alma, mas também um espírito). Já que a alma atua através dos nervos, como atua o espírito no corpo? É preciso também fazer o mesmo “caminho científico dedutivo” para responder a essa pergunta. Qual a parte do corpo humano que se mantém indiferenciada, que se difunde por todo o corpo e se mantém “unitária”? O sangue. Como se pode provar isso? Pela microscopia eletrônica, por exemplo, pode-se ver no cérebro, capilares sangüíneos sendo envolvidos por pés vasculares de astrócitos e outras células nervosas. O que acontece é o seguinte: A alma capta as informações via nervo e inscreve-se no sangue, morada do espírito humano. Através dos “micro-cristais” presentes no sangue (ferro, cobre, silícia, magnésio, etc.), o espírito se apresenta no mundo (O espírito se torna carne, João). Por isso se diz: “Estou cristalizando uma idéia”. Também o grande poeta Goethe (no Fausto) se refere ao sangue como um “sumo especialíssimo”…

Portanto, não existe nervo motor. Apenas nervos sensitivos: aferente e eferente. Com este ponto de vista a Ciência começará a abordar o reino das causas e se escreverá nova história civilizatória do homem. E como Steiner disse, a vida social será revitalizada com este novo paradigma. Fica assim respondida a pergunta inicial: O que tem a ver o nervo motor com isso?

(1) “Das Problem der motorischen Nerven: Der Ausgangspunkt war die Behauptung von Rudolf Steiner, dass ein soziales Leben nur entwickelt werden kann, wenn die Menschen die Vorstellung von den motorischen Nerven korrigiert haben werden” – citação no livro MEES, L.F.C, Wie sich der Mensch bewegt – Das Problem der motorischen Nerven”, Die Pforte : Basel, 1989, p.35-36.

(2) Para pensar, é preciso existir – frase de René Descartes, no seu livro “Discurso sobre o Método”. Outra frase mais conhecida dele é: “Penso, logo existo”. A primeira sentença é mais completa em si mesma e “lógica”. A segunda é prepotente e o próprio Descartes a questiona, preferindo aquela a esta.

(3) Goethe desenvolveu um roteiro criterioso, intelectivo, da natureza orgânica, no sentido de se ter os elementos necessários para se entender o ser vivo. Para isso é preciso Conhecer: “os hábitos (HISTÓRIA NATURAL), a natureza material como força e sua relação espacial (DOUTRINA da NATUREZA), as “partes” (ANATOMIA), as “partes” da matéria (QUÍMICA), o conjunto do vivente segundo forças físicas (ZOONOMIA), o conjunto vivo subordinado a forças espirituais (PSICOLOGIA), as formas nas suas “partes” ou no “todo” (MORFOLOGIA), o conjunto orgânico sob forças do espírito (FISIOLOGIA)”. [GOETHE, Teoría de la naturaleza, Madrid : Tecnos, 1977, p.111-2].

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