Muitas pessoas colocam a medicina antroposófica entre as terapias naturalistas ou alternativas, equiparando-a à fitoterapia ou à homeopatia, e chegando mesmo a confundi-la com estas. Pretende-se apresentar, nestas linhas, uma auto-caracterização que representa a opinião da própria medicina antroposófica a esse respeito.
1- A medicina antroposófica não é idêntica à medicina naturalista. Todavia fala-se em medicina naturalista, quando ela recorre também a medicamentos produzidos a partir de matérias primas naturais.
2- A medicina antroposófica não é fitoterapia, embora seus remédios incluam umas 250 plantas medicinais como matéria prima ou componentes básicos. Contudo os remédios baseados em matérias primas minerais naturais preponderam na medicina antroposófica; são mais importantes.
3- A medicina antroposófica tampouco é uma espécie de homeopatia. Aceitou desta apenas a técnica da dinamização e da nomenclatura das potências, embora com modificações relevantes.
A medicina antroposófica é simplesmente a ampliação da arte médica com base em critérios da Ciência Espiritual Antroposófica. A Antroposofia é, usando palavras de seu criador Rudolf Steiner (1861-1925), um caminho cognitivo pelo qual deveria ser estabelecida uma ligação entre o que existe de espiritual no homem e no universo.
Uma analogia deixará isso mais claro: Para a medicina moderna orientada pelas ciências naturais, a chamada medicina tradicional, o homem é uma máquina ou um laboratório. Enquanto a máquina funciona, o homem é sadio; quando surge um defeito, fazendo com que adoeça, a cura vem necessariamente a ser um conserto. Os remédios usados nesse caso (e que são, via de regra, produtos químicos) se coadunam bem com essa imagem técnica do homem, pois atuam de acordo com o conceito mecanicista que se tem dele: isso resulta também dos experimentos em laboratórios.
A Antroposofia vê no homem muito mais do que uma mera máquina. Seu conhecimento a respeito dele e da natureza baseia-se numa realidade diferente: o homem é considerado como um ser corpóreo, anímico e espiritual.
Considerado como máquina, o homem das ciências naturais só é constituído pelo corpo físico o que se manifesta apenas sob forma de cadáver. Mas o cadáver perde sua forma e entra em decomposição. Ora, constatamos em nós e em nosso próximo, que a forma humana se conserva com tenacidade inexplicável não obstante interferências devidas às doenças, etc. Existe aparentemente no homem enquanto vive, uma organização dinâmica que atua em sentido contrário à decomposição. Chamamô-la corpo vital (ou corpo etérico): ele é algo supra-sensível e só pode ser observada em suas manifestações exteriores. Seus processos atuam em direção contrária àquela do corpo físico. Enquanto nele obedecem à força da gravitação dirigida para o centro da terra, no corpo vital ascendem em direção à periferia cósmica, conforme se verifica sem qualquer complicação na planta. Esta tem suas raízes na terra e aspira ao céu; ela é um ser dotado de vida e se subtrai, no processo de crescimento, à força da gravidade.
O animal, também possuidor de um corpo físico permeado por um corpo vital, se distingue do vegetal pelo desenvolvimento de uma consciência e por sensações, tais como instintos, cobiça, dor e bem-estar. Podemos falar também de uma organização suprassensorial, chamada de corpo anímico ou alma.
Também no homem o corpo vital e o corpo físico ficam ao mesmo tempo penetrados pela alma. O homem diferencia-se do animal pela autoconsciência (consciência de sua consciência) cuja forma mais evoluída culmina em seu EU. Essa força pessoal e eminentemente individualizada do EU permite ao homem manter-se na posição ereta, falar, ter criatividade artística e cultural, entusiasmar-se por algo, mas leva-o também a impulsos culturais destrutivos. Tudo isso falta ao animal; este não tem a menor disposição para a criatividade cultural.
O homem se nos apresenta, pois, como um ser constituído por quatro membros: corpo físico, corpo vital, alma e EU. Enfocada desta maneira, a “medida do homem” adquire uma dimensão não imaginável, muito mais ampla que o conceito “homem máquina” da ciência natural. A verdadeira “medida do homem” é um parâmetro universal da criação. O homem, conforme dizia Paracelsus, “é uma condensação da natureza enquanto que a natureza é um homem desdobrado numa infinidade de seres”.
Havia, nos primórdios, uma unidade, mas o caminho evolutivo comum da Terra, da natureza e do homem, levou paulatinamente a separações. Os reinos mineral, vegetal e animal desprenderam-se da união com o ser humano, causando uma polaridade entre eles e o homem. Considerados por esse prisma, todos os objetos da natureza têm, na sua origem relações com o ser humano. Para todo aspecto da organização humana, incrivelmente complexa, existe na natureza uma “contra-imagem”.
Com isso fica respondida, em princípio, a pergunta: “Como pode uma matéria-prima natural ter efeitos terapêuticos?” Qualquer objeto da natureza tem, desde a sua origem, um lado afim com o homem, algo como um parentesco terapêutico. Substâncias como a fenacetina, o ácido acetilsalicílico, os sulfonamidas, etc, não possuem tal afinidade terapêutica com o homem. Esta é uma das causas dos múltiplos efeitos colaterais não desejados de tais produtos. Os “remédios feitos à medida do homem”, produzidos com base em conhecimentos antroposóficos, não provocam tais conseqüências nocivas, desde que aplicados criteriosamente.
Na produção de tais “remédios afins com o homem”, todos os procedimentos farmacêuticos sempre visam à continuação de processos da natureza e à relação racional, já mencionada, com o homem. A farmacêutica antroposófica recorre, por exemplo, a toda a escala de aplicações térmicas (macerações, digestio – trata-se de preparados a 37o C; – infusões, decocções, torrefações, destilações, carbonizações, incinerações), tendo em vista aquela área do ser humano onde os remédios devem manifestar o seu efeito terapêutico.
Dr. Willen Daems
Laboratório Weleda AG / Arlesheim – Suíça