Rudolf Steiner disse que Kaspar Hauser teria uma importante missão para desempenhar e dele dependeria o futuro da Europa. Também seus raptores sabiam disso, tanto que o mantiveram em cárcere incomunicável desde tenra idade (desde 2 ou 3 anos de idade), para soltá-lo provavelmente com 16 anos em Nüremberg (Alemanha). Como ninguém sabia quem era e de onde vinha, foi chamado “filho da Europa”. Finalmente foi assassinado aos 21 anos.
Um crime dinástico a uma criança recém nascida seria mais simples. Mas quem o prendeu por tanto tempo intentava destruir seu intelecto, seu pensamento, que deveria ficar fora do corpo, numa zona indeterminada, como um “exilado do espírito”. Só que ele surpreendeu a todos, pois conseguiu falar, se comunicar, etc. Portanto, para seus algozes, esse experimento fracassou e deveria morrer. Assim foi feito.
Qual importância desse menino? O que ele poderia realizar caso chegasse à idade adulta? Kaspar Hauser seria um príncipe, filho mais velho de Stéphanie Adrienne Napoleone von Beauharnais (1789-1860), filha adotiva de Napoleão, casada com Karl, grão-duque de Baden (1786-1818). Esse filho nascera saudável em 29 de setembro de 1812 e substituído por uma criança doente, filho de um jardineiro que tinha dez filhos, por ordens da condessa de Hochberg (Luise Geyer von Geyersberg, 1768-1820), a segunda mulher do fundador da dinastia, Karl Friedrich von Baden (1728-1811), a qual queria que seu próprio filho mais velho, Leopold (1790-1852), herdasse o trono, o que efetivamente aconteceu em 1830.
Como Príncipe, deveria reunir em torno de si tudo o que vivia no espaço artístico – cultural criado por grandes personalidades, como Schiller, Goethe, Hölderlin, Herder, etc. Só para citar dois aspectos que poderiam mudar o mundo = Goethe traçou novo Caminho Científico Dedutivo, através dos seus Ensaios Científicos (Ad Verbum e Bárány : São Paulo, 2012) e Schiller esboçou o Estado moderno humanizado (Organismo Social) baseado na compreensão dos “impulsos humanos trimembrados”, nas suas famosas cartas dirigidas ao seu benfeitor na Dinamarca, o Duque Charles Christian von Augustenburg, como veremos abaixo. Isso nos remete ao slogan da Revolução Francesa de 1789: « liberté / égalité / fraternité ». O Estado unitário – piramidal (totalitário) precisa se desmembrar nessas três esferas. Como ele disse: “Cabe esperar do Estado que realize essa transformação? – Impossível! O Estado, tal como está hoje constituído, tem sido o causador do mal. Devemos concluir que todo intento de modificar o Estado, toda a esperança posta em tal modificação são extemporâneos e quiméricos; e se seguirão sendo assim, a não ser que essa divisão do homem (trimembração) seja conhecida e aplicada no organismo social”.
Existe uma relação histórica e uma relação fatídica, entre Kaspar Hauser e o impulso da Trimembração Social. O caráter histórico teria a ver com sua missão de implantar e estruturar as forças culturais humanas da época goetheana – schilleriana, no sul da Alemanha. Seria um contra-censo histórico crer que Kaspar Hauser pudesse instaurar um organismo social trimembrado. Isso só foi possível a partir de 1917, com Rudolf Steiner. Com o hiato criado pela falta de Kaspar, coube à Rudolf Steiner a tarefa de levar a cabo a concretização da Trimembração do Organismo Social. Enquanto que Kaspar falaria para o mundo (ainda de uma forma “imaginativa”, a partir de Schiller) e a repercussão seria fenomenal, coube a Steiner falar para a sociedade antroposófica (pode-se dizer intra-muros). A missão de Kaspar Hauser, caso concretizasse, estabeleceria, através dos impulsos espirituais dos alemães (cultura alemã), uma aliança que poderia ter recebido os impulsos culturais da “modernidade humanizada” e favorecido sua expansão no seio da vida social mundial.
Subindo ao trono da Dinastia dos Baden, no sul da Alemanha, deveria nascer um novo impulso, que galvanizaria novo modo de pensar, tanto da Ciência (humanizada) como da visão de um Estado moderno (humanizado). Com o fim do Kalyuga ou “período negro”, conforme antiga denominação do “sânscrito” (indú), começaria uma nova fase histórica de crescimento espiritual-cultural da Humanidade, chamada “Era micaélica”. Como sua missão foi abortada, o espírito alemão “se perdeu” na evolução. Com isso ocorreram graves eventos negativos na História da Humanidade. Poderia se pegar simplesmente o andar da História, mas vamos abordar este assunto através do ciclo de 33 anos (idade do Cristo), para entender melhor essas passagens. Em primeiro lugar nasce o Comunismo, com Marx e Engels. Isto tem a ver, em primeiro lugar, com o “vácuo” deixado pela ausência da missão de Kaspar. Em segundo lugar temos as duas Guerras Mundiais, fazendo com que a Alemanha fosse dividida ao meio (a quebra da hegemonia européia). Assim se pode ver que, quando o bem não realiza a sua missão, entra o mal na história. E, finalmente, por coincidência (ou não), o ciclo passa pelo ano de 2010 (nossa época).
1812 | 1845 | 1878 | 1911 | 1944 | 1977 | 2010 |
1812 = Nascimento de Kaspar Hauser em Karlsruhe (sul da Alemanha).
1845 = Manifesto Comunista (21.2.1848)
1878 = Fim do Kalyuga (1899). Começo da Era Micaélica
1911 = Iª Guerra Mundial (1914 a 1918) – Trimembração Social de Steiner
1944 = IIª Guerra Mundial (1939 a 1945) – Plano Econômico de Keynes
1977 = Hippie, televisão, tecnologia, ditadura
2010 = ????
O que aconteceu em 2010? Nada. Justamente nesse “nada” precisa nascer algo que preencha essa lacuna, esse espaço vazio, para completar o que foi abortado no passado. Rudolf Steiner conseguiu pegar a linha histórica e salvar o que estava fadado ao abismo. Só que a Trimembração Social não se realizou, por falta de conhecimento e estrutura das pessoas (e por causa da ausência de Kaspar). Urge hoje em dia uma tarefa hercúlea, no sentido de resgatar e colocar esses elementos de novo na baila da História.
“Necessário elaborarmos um novo mundo espiritual que tenha saído do mais intimo do nosso ser. Essa é a tarefa encomendada à concepção antroposófica do mundo: Construir uma estruturação verdadeiramente social a partir de uma ordem humana moderna. Seria incongruente afirmar que há a necessidade que cultivar uma vida interior com exclusão de tudo o que possa existir. Isso seria o mais refinado egoísmo. Em nossa época há a necessidade de falar sobre os novos métodos de construir as instituições externas. Portanto, não há que perder nunca de vista que mesmo o menor passo para frente, mesmo em instituições pequenas, só será realizável se os homens conseguirem adquirir as faculdades necessárias para a reedificação de um mundo espiritual partindo daquilo que há de mais íntimo em si”. (Rudolf Steiner, “Questões sociais e pedagógicas tratadas à ótica da Ciência do Espiritual”. Stuttgart, conferência de 6.7.1919, GA 192).
Antes de dar um passo para frente, no sentido de entender a Trimembração do Organismo Social de Steiner, importante dar um passo para trás e conhecer o que Schiller elaborou de uma forma “imaginativa” nessas “Cartas”, que tanto poderiam sensibilizar o Príncipe Kaspar de Baden. O que elas falam?
Impulso do Jogo na Trimembração Social
Este artigo faz referência à Johann Christoph Friedrich Schiller (1759–1805), no sentido de referendar o enfoque antroposófico da Trimembração. A dialética schilleriana visualiza as três forças presentes no ser humano e relaciona com o Estado (Organismo Social). Pode-se dizer que Schiller é o precursor do “Organismo Social Trimembrado”, proposta da Antroposofia para o futuro da humanidade, meta ainda muito distante do homem moderno; mas que deve ser almejada, a partir desta abordagem.1
Aspectos mais aprofundados sobre a Trimembração do Organismo Humano como do Organismo Social, deverão ser buscados em Rudolf Steiner, em outros escritores e em outros títulos deste autor (no site citado abaixo). Este almeja apenas abrir o tema para novos olhares.
Para quem não conhece, Schiller foi poeta, autor dramático, historiador, filósofo e médico alemão. São famosas as suas obras: “A Donzela de Orleãs, Os Bandoleiros, Dom Carlos, Maria Stuart, Guilherme Tell, etc”.
No seu livro “Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade”,2 Schiller aborda as duas tendências polares existentes no ser humano, as quais mostram impulsos próprios e inconciliáveis. Para um impulso não anular o outro, é preciso buscar o “terceiro elemento”, o qual ele denomina de Impulso do Jogo (ou Impulso lúdico ou pode-se dizer diplomacia ou vulgarmente de “jogo de cintura”): “O homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra; e somente é homem pleno quando joga”.3
Somos impulsionados por dois pólos, que Schiller nomeia de “impulso sensível” e “impulso formal”; ou dizendo de outra maneira: de impulso metabólico e impulso cerebral, respectivamente. O primeiro é egoísta, primitivo e violento, regido pela força bruta; o segundo tem caráter moral e censor, por causa da nossa evolução histórica. Para referendar melhor este assunto, Freud diz: o primeiro nasce do “id”, que ele denomina de “pulsão”, o qual corresponde a uma força que nasce do profundo inconsciente-sexual-metabólico (centrado no abdômen, no baixo ventre). Por isso se necessita do “Ego”, que nasce da região cefálica (no outro pólo), para dominar essa força “insaciável por riquezas”, segundo Platão (Rep. 442ª), que vem da região metabólico-inconsciente, como se disse acima. Só que essa visão platônico-freudiana procura destruir o impulso sensível (o id, o inconsciente), estampada na imagem “da serpente mordendo o próprio rabo” (uroboro). Essa era a forma antiga de combater essa tremenda força que nasce do profundo metabolismo-inconsciente (kundalini).
Ou seja, nada mais contraditório do que as tendências opostas desses impulsos: um aspira à “variação” (o sensível, o id) e o outro à “imutabilidade” (o formal, o Ego). Como ele diz: Sem dúvida esses dois impulsos esgotam o conceito de homem, de tal sorte que um “terceiro impulso” fundamental que sirva de intermediário entre os dois primeiros deva nascer.
Aponta nova possibilidade de o homem evoluir, sem destruir o impulso inferior (animalesco, instintivo, que ele nomeia de “sensível”), centrado no metabolismo-inconsciente (abdômen). Para isso ele sugere a presença do “terceiro elemento” (centrado no coração), como mediador das forças polares (centradas na cabeça e no abdômen). Chega-se assim às três qualidades psíquicas (da alma) = Pensar, sentir e atuar (ou dizendo de outra forma = consciente, subconsciente e inconsciente).
Na Antroposofia essas três forças são nomeadas de trimembração do ser humano: pensar, sentir e querer, distribuídas na cabeça, no coração e no abdômen, respectivamente.
No entanto ele é magistral por apontar outra realidade por detrás dessas três qualidades anímicas: “nós não somos porque pensamos, queremos, sentimos. (…) Nós somos porque somos. Nós sentimos, pensamos ou queremos porque além de nós existe algo diverso. A pessoa, pois, tem de ser seu próprio fundamento, já que o permanente não pode resultar da modificação; teríamos assim, inicialmente, a idéia do ser absoluto fundado em si mesmo; isto é, a liberdade”.4
Ou seja, por detrás dessas três manifestações anímicas vige “a idéia do ser absoluto fundado em si mesmo” (o Eu, o espírito humano); isto é, onde reina a “liberdade”. E a liberdade, como diz R. Steiner, só existe no espírito humano, centrado no “coração diastólico” (no centro do ser humano, onde atua também o “terceiro elemento” de Schiller, através do “coração sistólico”).5
Para essa fundamentação se tornar realidade, precisa ser “causado” (ter nascido), já que o homem não é absoluto (para pensar é preciso que eu exista, que eu tenha nascido). Ou seja, além de existir o “eterno” no homem centrado no seu Eu espiritual (o absoluto em si mesmo), o efêmero depende do vir-a-ser, do “tempo”. Nesse sentido pode-se dizer que o Eu (espírito) é o elemento eterno em nós e a alma, para se tornar realidade no mundo, vive no “tempo”.
Para resolver essa questão de polaridade humana, como ele diz, precisa-se tomar o caminho da Estética, porque a “liberdade” se chega pela “Beleza”. Através da consciência, é preciso transformar o “homem natural” em “homem moral”. O homem natural (virginal) é aquele que não deriva em sua origem de leis, mas de força. É certamente, contrário ao homem moral, para o qual a legalidade deve ser a lei; mas não é suficiente para o homem físico, em que a lei é submeter-se à força. O homem físico é real e o homem moral é problemático. Se, pois, a razão destrói o homem natural – como forçosamente há de fazê-lo, para colocar em seu lugar o homem moral – arrisca o homem físico-real, por um homem moral-problemático; arrisca a existência de ideal de homem meramente possível, mas moralmente necessário.
O homem natural é egoísta e violento, tende mais à destruição do que à conservação. Tampouco se pode falar em caráter moral, pois que, por hipótese, este caráter há de ser objeto de formação e educação e, porque, sendo livre e nunca dado à experiência, não cabe manejar e calcular com segurança seus efeitos. Trataria de quitar-se ao caráter físico o capricho, e ao moral a liberdade; trataria de obrigar ao primeiro a curvar-se às leis e ao segundo a depender das impressões. Em suma: tratar-se-ia de criar um terceiro caráter, a fim aos dois primeiros, que formará um trânsito de regime de simples força ao regime das leis e, sem entorpecer o desenvolvimento do caráter moral, fosse como uma garantia sensível à invisível moralidade.
Totalidade de caráter há de ser o homem digno e capaz de trocar o impulso de necessidade em impulso de Liberdade. Qual é a causa, pois, desta inferioridade dos indivíduos, quando tão superior é a espécie? Por que o individuo na antiga Grécia é um representante qualificado de seu tempo e, no entanto, não há entre os modernos quem se atreva a pretender semelhante galardão?
Porque aquele recebeu a sua formação da natureza, que tudo engloba, e este recebeu a sua formação do intelecto, que tudo separa. Este desmembramento, esta dicotomia, iniciado no interior do homem pela arte e erudição, se aperfeiçoou e generalizou no novo homem moderno. Em lugar de levarmos uma vida animal mais aperfeiçoada, nós temos rebaixado a uma mecânica vulgar e grosseira. Aquela natureza do antigo grego, permitia ao indivíduo gozar de uma vida independente, sem prejuízo de desaparecer no todo. Agora o homem se vê separado de tudo, como tendo sido criado por acaso na poeira cósmica e se educa como mera partícula desconexa, tornando-se ele mesmo um reflexo de seu trabalho e de sua ciência.
O espírito especulativo-filosófico, aspirando a conquista do mundo, teve que se fazer estranho ao mundo das idéias, domínios imperecíveis; teve que se fazer estranho ao mundo dos sentidos e por sua forma perdeu a matéria. O espírito profissional-tecnicista, encerrado entre objetos e fórmulas rígidas, viu-se privado da visão livre do conjunto; com isso a pobreza de sua esfera de ação fez empobrecer sua atividade.
O primeiro caiu em tentação de modelar a realidade conforme seu pensamento. O segundo, em troca, chegou ao extremo oposto, julgou a experiência por um fragmento particular de sua experiência, em detrimento de todos os demais.
Assim, o pensador abstrato tem o coração frio, pelo costume de analisar as impressões que comovem a alma em todo conjunto; e o profissional tecnicista, por sua parte, é aquele de coração estreito, porque a sua imaginação, reclusa no circulo uniforme de especialidade, não pode estender-se a outras formas representativas.
O exercício unilateral das faculdades conduz, sem dúvida, os indivíduos a erros inevitáveis. No entanto é falso dizer que a educação das faculdades particulares acarrete necessariamente sacrifício do conjunto. Para conseguir que a totalidade de nosso caráter, empobrecida pela erudição, seja reedificada, devemos buscar por uma arte mais sublime.
Cabe esperar do Estado que realize essa transformação? – Impossível! O Estado, tal como está hoje constituído, tem sido o causador do mal. Devemos concluir que todo intento de modificar o Estado, toda a esperança posta em tal modificação são extemporâneos e quiméricos; e se seguirão sendo assim, a não ser que essa divisão do homem (trimembração) seja conhecida e aplicada no organismo social.
Velar para que nenhum dos dois impulsos viole a fronteira do outro é um problema da Cultura6, a qual está obrigada à administrar justiça à ambas as tendências; não só defendendo o impulso racional contra o sensível, também este contra aquele. Schiller vê duas incumbências da Vida Cultural: proteger a sensibilidade contra os ataques da liberdade; e, proteger a personalidade contra o poderio das sensações. O primeiro consegue-se educando a faculdade do sentimento e o segundo educando a faculdade da razão. No fundo, este autor acha que a Vida Cultural deve nutrir espiritualmente a atuação do homem, para que ele se torne “moralmente produtivo” (como se disse, é uma meta para o futuro da Humanidade).
Este novo impulso é o IMPULSO do JOGO, que introduz forma na matéria e realidade na forma. O objeto do “Impulso do Jogo” pode ser representado em um esquema universal, que ele denomina de “Figura viva”7, conceito que serve para indicar todas as propriedades estéticas dos fenômenos. Em um amplo sentido, ele chama de “Beleza” (estética). O homem não é nem matéria exclusivamente, nem espírito de modo exclusivo. A “beleza”, pois, não pode ser exclusivamente vida nem tampouco ser exclusivamente figura. A beleza é objeto comum aos ambos impulsos; quer dizer, é o “impulso do jogo”. Encontra-se no meio entre a lei e a necessidade. No que goze a beleza, isto é, na unidade estética, verifica-se a união real, uma complexão da matéria com a forma e a passividade com a atividade, pelo qual fica demonstrado que ambas as naturezas são conciliáveis, que o infinito pode realizar-se no finito e que o homem pode ascender ao sublime.
Portanto, na visão deste autor, seguindo a dialética schilleriana, nascemos no “tempo”, inocentes e virginais. Mas por causa da necessidade histórica evolutiva (ananké), fomos contaminados pelo “mal” (o mal vive na alma humana – Platão), o que fez violentos e agressivos. Nessa primeira fase vivíamos na alma inconsciente (alojada no metabólico), a qual é nomeada de “id ou sensível”. Em uma segunda fase histórica, nasce o segundo impulso (Ego, formal), cujo intento é dominar o primeiro (serpente mordendo o próprio rabo). Pode-se dizer que até aqui a vida, a educação, a cultura do povo, nos leva. Na terceira fase evolutiva, há a necessidade do esforço individual, em fazer nascer o terceiro elemento, o “impulso do meio”, do sentimento, do impulso do jogo, cujo objetivo é gerar equanimidade entre os pólos.
Só que nessa esfera central (no coração) vigem dois impulsos, que podem ser traduzidos como sístole e diástole. No primeiro caso, a alma comprime o coração e isso gera “o sentimento”, o qual por sua vez equilibra os pólos. Somente dessa maneira (através do sentimento), nos tornamos humanos e podemos nos relacionar com os outros socialmente. A este, Schiller nomeia de terceiro elemento, “o impulso do jogo”; o qual significa estar presente conscientemente no mundo para discernir e gerar equanimidade entre os pólos sensível e formal. O outro impulso existente no coração chama-se diástole, o qual corresponde ao repouso cardíaco. Somente nesse ínfimo momento de “silêncio cardíaco”, atua a “idéia do ser absoluto fundado em si mesmo”, o espírito, o Eu humano. Aí entramos no reino aristotélico-goetheanístico, do “bastão segurando a serpente” (símbolo da medicina).
Numa grande tela panorâmica da evolução do Pensar Humano, vemos Platão com sua “República”, consubstanciando as três qualidades anímicas em referência ao Organismo Social. Schiller, nas suas “Cartas Estéticas”, dá sequência a esse pensar platônico e chega no “terceiro elemento” (esfera do meio = coração sistólico). Mas não pára aí; toca na “idéia do ser absoluto fundado em si mesmo” (no Eu, no espírito), domínio de Aristóteles e Goethe. Este é o link, é a linha divisória, que se deve procurar em Schiller. Nesta singela passagem literária, os quatro grandes se encontram. Nesse ponto adentramos em Aristóteles com seu “Organon”, o qual com seu pensar aristotélico dá sequência em Goethe, com seus “Ensaios Científicos”8.
Como foi falado no começo, o autor almeja apenas abrir o tema para novos olhares, a partir dos mestres do passado, os quais continuam presentes, através de argumentações dedutivas, no sentido de referendar nosso atuar. Homens, queiram ouvi-los.
- Os antigos viam a “imagem” do homem como referência do organismo social. Protágoras (450 a.C.) dizia “O homem é a medida de todas as coisas”. Platão assim se referia: “Há na polis e na alma de cada indivíduo as mesmas partes e em número igual” (Rep. 441c)..
- SCHILLER, F., Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade. 2ª ed. São Paulo : E.P.U. 1992.
- idem, p. 92.
- Idem, p.73.
- No coração vigem dois impulsos: na diastóle (no repouso cardíaco) toca o Espírito no centro do ser humano, através da “intuição” – tem a ver com “a idéia do ser absoluto fundado em si mesmo”. Na sistóle (na contração cardíaca) tem a ver com a alma do sentimento. Como dizem Aristóteles – De Anima e Platão – Timeu, “o corpo é movido pela alma” – tem a ver com o “Terceiro Elemento” de Schiller.
- Idem, p.81. Podemos nomear de “Vida Cultura da Humanidade”, termo criado por R.Steiner, a qual ainda não existe como realidade no Organismo Social Trimembrado, apesar de ter sido visualizado por Schiller neste livro, como antevisão do futuro. Deverá ser almejado como meta futura, para engrandecimento social.
- Idem, p.88. Figura viva ou Forma viva. Na visão deste autor, Schiller aponta para o futuro da humanidade, descortinando o Organismo Social Trimembrado. Estamos longe dessa realidade, a qual foi pincelada pelo mestre da dialética da Trimembração.
- GOETHE, J.W. Ensaios Científicos de Goethe, Ad Verbum e Bárány : São Paulo, 2012.
Gedenkausgabe der Werke, Briefe und Gespräche. Band 16. Naturwissenschaftiche Scriften. Erster Teil. Zürich : Artemis, 1949.
Werke. Hamburger Ausgabe. Band 13. Naturwissenschaftliche Schriften. München : Deutscher Taschenbuch, 1998.
Die Schriften zur Naturwissenschaft. Leopoldina-Ausgabe. Elfter Band. Aufsätze, Fragmente, Studien zur Naturwissenschaft im Allgemeinen. Weimar : Hermann Böhlaus Nachfolger, 1970.
Dr. Antonio Marques
Médico antroposófico
www.vivendasantanna.com.br