Teoria do conhecimento

A teoria do conhecimento, como o nome diz, é uma teoria, ou seja, uma explicação e uma interpretação do conhecimento humano. Ela faz referência objetiva do pensamento, na sua relação com os objetos. Só que a ciência atual, ao se fixar no dogma imposto por Kant (O que eu posso conhecer? – Resposta: “Eu posso conhecer apenas o que a Ciência determina”), fez nascer a tecnologia do conhecimento, para visar somente a “produção tecnicista”. Assim ela é aplicada na nossa vida, através da TV, rádio, jornal, revista, moda, propaganda, cultura, ciência, ensino, medicina, comércio, etc.

Mas a sua premissa básica é: o que é o conhecimento? Essa pergunta abre um leque muito maior do que a anterior, porque se interessa pelo fenômeno do conhecimento (ou seja, como se processa o conhecer dentro do ser humano?). Como se verá, deve- partir da “observação” e da “descrição” exata do objeto, para se ter a “idéia” do fenômeno.

Para Platão, as coisas e os conceitos são resultados de experiências pré-terrestres (no mundo das Idéias) e reencarnatórias. Para Aristóteles como para Tomás de Aquino, o espírito não possui nenhum conhecimento apriorístico (anterior). Por ocasião do nascimento, o ser humano é como uma tabula rasa (uma folha em branco na qual, através da experiência, irá escrever a sua história). Por isso se denomina de empírico (empeiría = experiência) o ato de mergulhar na materialidade, no sentido de entendê-la, através da “experiência”. Por esse ponto de vista, todos os nossos conhecimentos derivam do nosso contato com o mundo, através dos órgãos dos sentidos. Os únicos objetos que se pode conceber são aqueles que se vê ou o que se pode “imaginar” a partir do que se vê. Isso culminou na visão científica atual tecnicista-empírica, de se fixar somente na “observação” e no “intelecto” (mas falta a “idéia”).

Só que se observa que nenhum objeto externo é necessário, nem imutável, nem eterno; ao contrário, todos são contingentes, alteráveis e passageiros. Por isso se precisa utilizar o “método estatístico” e o “cálculo das probabilidades” para se ter uma certeza aproximada do fenômeno observado. Pode-se realizar quantas experiências se quiser, quantas “observações” se desejar, mas não se tirará daí nenhuma regra imutável, muito menos eterna. Também dentro do pensamento, ao observar um fenômeno, o intelecto procura, no seu “arquivo pensamental”, algo semelhante ao objeto, para fazer a analogia necessária para uma compreensão interior. Por exemplo, Marco Polo nas suas viagens, vê em Java um animal estranho, que ele nunca tinha visto. Ele pensa tratar-se de algo parecido com um “unicórnio”. Hoje se sabe que se tratava de um rinoceronte.

O processo pensamental tem a ver com a necessidade humana de chegar a uma “idéia” do que representa enfim aquele objeto. Só neste último patamar pensamental nos sentimos satisfeitos internamente. Marco Polo, como não havia um registro semelhante no seu intelecto, procurou comparar aquela “besta muito feia de se ver” com algo que ele possuía na mente: o unicórnio. Ou seja, ele permaneceu apenas no domínio do “intelecto” e não conseguiu ter a “idéia” daquele animal.

Como se está vendo, da observação ascende-se ao mundo das relações pensamentais e, em contrapartida, como diz Goethe, “o próprio pensamento se transforma no fenômeno”. Ocorrem dois processos simultaneamente: de fora para dentro e de dentro para fora. Como os objetos externos são sempre mutáveis, assim são os nossos pensamentos a respeito deles. Por isso não existe um pensamento eterno a respeito das coisas do mundo. Tudo está em movimento, em evolução. Como se pode, então, entender o processo de adquirir um conhecimento? É preciso recorrer a Aristóteles para explicar esses três processos citados: Ao observar um objeto, o sujeito forma dentro de si a imagem do próprio objeto, através do noûs pathetikós (psiquê ou alma), o entendimento possível ou passivo. Só é factível extrair daí a idéia, através da interferência especial do noûs poietikós (espírito), o entendimento real ou ativo. Ocorre o seguinte: O espírito “atua como luz”, segundo o próprio Aristóteles, iluminando espiritualmente a “imagem” formada no intelecto, para ser impregnada na própria alma.

Esta tríade: observar, intelectualizar e idear (formar a “idéia”) foi desenvolvida por Goethe e, por isso este autor denomina de Método Científico Dedutivo Goetheanístico. (GOETHE, J. W. Teoria de la naturaleza, Madrid : Tecnos, 1977). “Observar” significa se entregar à experiência pura (empirismo). Ou seja, deixar o fenômeno falar por si, sem a interferência do observador, mas com a plena presença do espírito. Forma-se assim a “imagem” do objeto dentro da mente do observador. “Intelectualizar” significa fazer as correlações necessárias a partir dos conhecimentos obtidos das ciências e das experiências próprias. Para isso se utilizam os “argumentos dedutivos mediatos” (ou seja, através de vários elementos do problema, procura-se chegar a uma conclusão, conceito ou tese). “Idear” significa ter a certeza interior do fato observado, ao se atingir o reino das causas (formar a idéia).

Método Científico Dedutivo Goetheanístico

“Observar”“discernir, calcular, medir, pesar”“contemplar”
Órgãos físicosIntelectoIdear
corpo físicoalmaespírito
conhecimentointuitivo

Como se pode entender essa aparente dualidade pensamental, entre o “intelecto” e a “idéia”? Como se viu, tanto os objetos externos como os nossos pensamentos triviais se apresentam instáveis e mutáveis a todo instante. Essa instabilidade compromete o conhecimento do ser verdadeiro que se procura dentro de si, algo que se possa julgar: isto é necessário e verdadeiro. Esse processo só ocorre dentro do espírito, e não nos pensamentos instáveis técnicos (da alma), nem no meio ambiente. Estes têm a ver com a constatação “empírica” (que o intelecto incorpora) e são algo bem distinto da “verdade” (que o espírito elabora). Exemplo: 2+2=4. Para o “intelecto”, pode-se entender como a soma de duas unidades matemáticas se processa; mas, para fazer o juízo da totalidade, é preciso a interferência do “espírito”. Da regra intelectual de necessidade (é “necessário” que seja assim e não de outro modo), caminha-se para a satisfação mais interna, como sendo algo “verdadeiro e harmonioso em si”. Por isso Aristóteles afirma que o “o entendimento é uno” (Metafísica, livro XII,30). Ou seja, ao se “entender” um fenômeno, já se encontra no reino divino pensamental (O entendimento é uno com o Divino).

Só que, atualmente, a Ciência se especializou na tecnologia e por isso, desconhece o que é o “ser vivo”, o que são as organizações complexas vivas. E é justamente para a esfera intelectiva (onde a ciência atual se hipertrofiou) que se precisa trazer novos elementos, a fim de se entender que o ser vivo necessita de outros argumentos científicos. Aí entra outro mérito de Goethe. Ele desenvolveu um roteiro criterioso, intelectivo, da natureza orgânica, no sentido de se ter os elementos necessários para se entender o ser vivo. Para isso é preciso Conhecer: “os hábitos (HISTÓRIA NATURAL), a natureza material como força e sua relação espacial (DOUTRINA da NATUREZA), as “partes” (ANATOMIA), as “partes” da matéria (QUÍMICA), o conjunto do vivente segundo forças físicas (ZOONOMIA), o conjunto vivo subordinado a forças espirituais (PSICOLOGIA), as formas nas suas “partes” ou no “todo” (MORFOLOGIA), o conjunto orgânico sob forças do espírito (FISIOLOGIA)”. [GOETHE, 1977, p.111-2].

A nossa grande tarefa é: construir uma ponte entre o “intelecto” e a “idéia”. Isso já foi elaborado por Aristóteles, através das suas “10 categorias”. Estas representam as relações entre sujeito e predicados, com a finalidade de se conhecer as estruturas objetivas do ser. Primeiro constata-se o fenômeno ou o objeto: ele em si representa a “essência”, por existir de fato. Em segundo lugar associam-se seus predicados: qualidade, quantidade, tempo, lugar, posição, relações, estado, ação e paixão. [ARISTÓTELES. Tópicos. São Paulo : Victor Civita, 1978, p.11]. Exemplo: Um (quantidade) cavalo (essência) branco (qualidade) de temperamento agitado (paixão) está em pé (posição) parado (ação) e selado (estado), de manhã (tempo), ao lado do jóquei (relação) na pista (lugar). Isso significa que a “essência” é o ser que se manifesta de muitos modos (leghetai men pollachos). Ou seja, o que importa é como os fenômenos aparecem, pois ali se encontram “a essência, a alma, a vitalidade (o etérico) e o físico”.

A nossa grande tarefa é: construir uma ponte entre o “intelecto” e a “idéia”. Isso já foi elaborado por Aristóteles, através das suas “10 categorias”. Estas representam as relações entre sujeito e predicados, com a finalidade de se conhecer as estruturas objetivas do ser. Primeiro constata-se o fenômeno ou o objeto: ele em si representa a “essência”, por existir de fato. Em segundo lugar associam-se seus predicados: qualidade, quantidade, tempo, lugar, posição, relações, estado, ação e paixão. [ARISTÓTELES. Tópicos. São Paulo : Victor Civita, 1978, p.11]. Exemplo: Um (quantidade) cavalo (essência) branco (qualidade) de temperamento agitado (paixão) está em pé (posição) parado (ação) e selado (estado), de manhã (tempo), ao lado do jóquei (relação) na pista (lugar). Isso significa que a “essência” é o ser que se manifesta de muitos modos (leghetai men pollachos). Ou seja, o que importa é como os fenômenos aparecem, pois ali se encontram “a essência, a alma, a vitalidade (o etérico) e o físico”.

Ao se realizar isso, chega-se ao “conhecimento intuitivo”, como se viu no esquema acima, que é o somatório: “intelecto + idéia”. Conhecimento tem a ver com o “intelecto” (uma parte da alma, o Ego) e intuitivo com as “idéias” (espírito). O primeiro disseca, dicotomiza e o segundo sintetiza, integra, reconhece a unidade do ser. Pode-se compreender assim: a partir da “imagem” formada na mente, trabalha-se intelectualmente com uma seqüência de argumentos dedutivos, no sentido de se chegar ao fenômeno fundamental (para captar a “idéia” que vive por detrás do fenômeno). Por exemplo: existem “vários tipos” de triângulos (intelecto), mas “um só” conceito de triângulo (idéia do objeto). Esse termo foi criado por Rudolf Steiner para designar “a faculdade de dar a um pensamento um conteúdo diferente do que se pode captar pelos sentidos exteriores, um juízo que saiba captar não só o sensorial, mas também o imaterial, distinto do mundo sensível. Um conceito que não é obtido abstraindo-se do mundo sensível, mas que possui um conteúdo que decorre dele, e só dele próprio, pode ser chamado de intuitivo, e o seu conhecimento, de conhecimento intuitivo”. (STEINER, R. A Obra científica de Goethe. São Paulo : Ass. Pedagógica R. Steiner, 1980, p.63).

Portanto, como se manifesta a revelação do conhecer? Como se processa o conhecimento no pensamento? Seria infantil afirmar que a química pensa, que o cérebro secreta a idéia. A mente não é um recipiente que contém idéias, mas um órgão que as recebe. A mente, portanto, apenas capta o pensamento (que é espiritual). É o espírito que vive no “mundo das idéias” (pode-se dizer que o mundo espiritual é o próprio mundo das idéias) e pode assim “absorver a idéia”. Mas como o mundo das percepções empíricas não satisfaz, é preciso acrescentar o conceito intelectual, para captar a idéia. A congruência desses três elementos é que traz a compreensão do fenômeno. O conceito seria para nós um mistério, se não tivéssemos a capacidade de introspecção da percepção do próprio pensar (o que corresponde, como se falou, à impregnação da “imagem” do objeto pelo espírito). O conceito em si é algo imaterial, mas existe objetivamente como realidade mental. É uma atividade subjetiva a partir da realidade objetiva. O que se quer afirmar é o seguinte: Não é o pensar que produz conceitos, mas ele os encontra mais ou menos prontos, pois a outra metade da verdade se encontra nos fenômenos observados. O que acontece é que o processo que atua no pensar é o mesmo que permeia a natureza (no mineral, no vegetal, no animal e no ser humano). A “idéia” se manifesta em ambos: uma parte é percebida pela mente e a outra se manifesta no mundo físico. Por isso se denomina de intuição ou contemplação (segundo Goethe) essa capacidade de intuir, de captar o mundo das idéias (o mundo espiritual) presente na natureza. No tempo grego, a “idéia” era atributo da divindade (da deusa Sophía) e pensava-se que o homem apenas “aspirava a idéia” do mundo demiúrgico (divino). Com a evolução histórica, a “idéia” foi sendo absorvida pelo espírito humano e só recentemente pode-se afirmar: eu idéio (ou seja, “o espírito idéia”, o espírito elabora a idéia) ou simplesmente “eu penso”.

Como se está vendo, o nosso pensar faz parte da realidade do mundo existencial. Por isso a nossa relação íntima com os fenômenos, pois viemos da natureza. Ou seja, o espiritual (o mundo das idéias) permeia tudo, tanto o nosso pensar como o mundo fenomenológico. Deus está em tudo. O Noûs divino, ao mesmo tempo que abraça o Universo finito, se difunde nas criaturas (e também no nosso Noûs individual). Por isso existe um simillimum (semelhança) entre o nosso pensar e o mundo exterior.

Existem ainda outras formas e graus superiores do saber, segundo Rudolf Steiner: “imaginação, inspiração e intuição”, as quais dormitam como sapiência latente dentro do homem. Para este autor, essas formas de conhecimento poderão ser despertadas caso consigamos realizar os passos científicos dedutivos goetheanísticos anteriormente citados. Ao treinar a “observação goetheanística”, desenvolve-se a imaginação (isso corresponde a formar a “imagem” do fenômeno no etérico plasmador humano. Ao treinar a “intelectualização goetheanística”, desenvolve-se a inspiração (isso corresponde a esforço inerno que a alma precisa fazer para conhecer algo). Depois dos argumentos científicos dedutivos, precisa-se esvaziar a mente para “inspirar” o espiritual. Caso esses dois passos iniciais tenham sido bem aplicados, nasce, brota de dentro do pensar a “idéia”, como intuição (aí já se encontra no reino espiritual, pois como se falou, o “entendimento é uno”). Isso só é possível se se desenvolver o “amor” para com todas as criaturas terrestres.

observarintelectualizaridear
imaginaçãoinspiraçãointuição

Como se pode treinar esses novos degraus de conhecimento? Eles são realizados em muitas das nossas atividades, só que não tomamos consciência deles. Pode-se dizer que todos nós “treinamos inconscientemente” esses novos patamares de conhecimento. O médico, po exemplo, ao “observar” um paciente, começa a elaborar “intelectualmente” o que corresponde àquele quadro clínico, no sentido de tentar captar a “idéia” da doença. O engenheiro, ao “observar” um terreno, começa a elaborar “intelectualmente” as possibilidades de como concretizar a “idéia” do prédio. A cozinheira, ao “observar” na feira, verduras e legumes, elabora na “mente” as opções possíveis de combinações, para chegar à “idéia” daquela salada gostosa. Etc. etc.

Para inaugurar esse caminho novo na prática, utilizando esta metodologia, criamos o Centro de Pesquisa da Ciência Dedutiva Goetheanístico-Steineriana, onde desenvolvemos várias iniciativas: O Diagnóstico Psicossomático através da Pintura Terapêutica, o teste Dinamólise Sangüínea segundo Kaelin (como preventivo do Câncer). Também temos a nossa Associação Econômica Saúde-JF (através do “diálogo associativo” entre produtores-médicos e consumidores-pacientes, procura-se melhor atender aos nossos clientes, como também chegar a um “preço justo” nas condutas terapêuticas, etc.). Inclusive se pode desenvolver essas “idéias” na vida social (na política e na economia), através da Trimembração do Organismo Social (liberdade para a vida do indivíduo – liberalismo, igualdade para a vida política – democracia e fraternidade para a vida econômica – socialismo).

O futuro já chegou! O que era “Teoria do Conhecimento” torna-se “Prática do Conhecimento”, na congruência da teoria com a prática (o conhecimento é uno).

Dr. Antonio Marques

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