Reencarnação e Ressurreição

Esses dois temas surgiram como polaridades, no cenário histórico da Humanidade. O primeiro prega a reencarnação do espírito e o segundo a ressurreição do corpo. A aparente inconciliabilidade corresponde a dois pontos de vista que nortearam os questionamentos de dois importantes grupos de pensamentos culturais: o dos hereges e o dos cristãos. Os primeiros representam um passado muito remoto, quando o neófito (iniciado) se submetia às “experiências” esotéricas nos Templos de Mistérios. Os antigos filósofos, até Platão, freqüentaram essas “escolas de Mistérios”. Para eles, o ser humano precisa retornar à Terra, para resgate de algum “pecado” realizado em encarnações passadas, na chamada “lei do retorno” (de causa e efeito). Os cristãos correspondem à história mais recente e reconhecem o caminho espiritual principalmente através da “fé”. Admitem somente a ressurreição do corpo após o Juízo Final. Ambos merecem um estudo mais aprofundado, que é o tema deste jornal.

O Cristo está no centro dessa polaridade. Dependendo de cada época histórica, o Cristo recebeu vários nomes: Shiva na Índia, Ahruda-Mazdao na Pérsia, Osíris no Egito e Javé na Palestina. Isso significa que o “espírito de luz” (Ser Solar ou Heloin) habitava o céu, o cosmo estelar, até que um dia tomou carne e habitou por três anos, no corpo físico de Jesus de Nazaré, após o batismo no Jordão: “Ao ser batizado todo o povo e quando Jesus, depois de batizado, rezava, abriu-se o céu e desceu sobre ele o Espírito Santo em forma corpórea, como uma pomba, ouvindo-se do céu uma voz: ‘Tu és meu Filho amado, de ti eu me agrado’” (Lucas 3,21). Assim que os espíritos maus percebem a descida de um espírito muito elevado, o Cristo é levado ao deserto, para ser tentado por 40 dias. Mas se desvencilha das garras do mal e começa a sua peregrinação messiânica, cujo objetivo era trazer a “nova moralidade”. Nesse sentido, não só condenou o comércio de vendilhões de santos e objetos no pátio do Templo (a casa do Pai Celestial), como também condenou a antiga postura de iniciação espiritual – a de se sentar debaixo da figueira, com as pernas cruzadas e os pés voltados para cima, para meditar. A nova meditação cristã é a luta diária, com os pés no chão, contra a indolência, a preguiça, o erro, a injustiça e o pecado da alma.

Lázaro foi o último a realizar a procura do Cristo (do Ser Solar) no mundo espiritual (antiga iniciação espiritual dos Mistérios). Como o Cristo já estava na Terra, esperou quatro dias, período em que Lázaro se submeteu a esse teste, para retirá-lo do transe iniciático. “As irmãs de Lázaro mandaram dizer ao Cristo: ‘Senhor, aquele a quem amas está doente’. O Cristo responde: “Essa doença não causará a morte mas se destina à glória de Deus… Lázaro, nosso amigo dorme, mas vou despertá-lo”. (João 11,3-11). Assim, Lázaro transforma-se, pelo batismo iniciático, pelo próprio Cristo, em João evangelista (também denominado de “o discípulo a quem o Cristo amava”): “Virando-se, Pedro viu que seguia atrás o discípulo, a quem Jesus amava… Este é o discípulo, que dá testemunho destas coisas e as escreveu” (João 21,20-24).

Assim o Cristianismo foi sendo absorvido dentre a miscelânea de raças e credos, nos primórdios da nossa era cristã. Os “Atos dos Apóstolos” mostram as pregações realizadas pelos primeiros “cristãos” em vários rincões da Terra. Como o Estado estava nascendo, como segundo membro do organismo social (o primeiro membro é a Religião e o terceiro a economia), não havia distinção nítida entre Religião e Estado. Nesse sentido, a influência religiosa era marcante nas ações estatais e trouxe transformações substanciais. Isso ocorreu principalmente a partir do ano 335, período no qual o Imperador Constantino divide o imenso Imperium Romanus entre seus filhos. Estes começam a atuar energicamente sobre a comunidade pagã, no sentido de disciplinar todo o pensamento medieval dentre uma mesma ordem imperial, consubstanciada pela Religião. Pretendia-se criar a civitas Dei (cidade de Deus) com um Imperador para todos os povos. Caso os hereges não se submetessem, seriam destruídos, sacrificados, seus bens confiscados e seus templos incendiados. E foi isso que aconteceu. A partir dessa data, todos os templos dos heréticos foram destruídos e incendiados (Elêusis, Éfesos, etc.), em “defesa da fé”. A fé devia preceder à compreensão (crede ut intelligas) e, numa voracidade indômita, ferrenha, em sua defesa, os primeiros cristãos destruíram e mataram seus irmãos de outra fé. Assim as antigas festas pagãs foram absorvidas pelo cristianismo: as Saturnálias transformaram-se no Natal, as Florálias, em Pentecostes, o Festival dos Mortos, no dia de Finados, a ressurreição de Átis, na Ressurreição do Cristo. É claro que o objetivo do Cristo era “não mudar as leis, mas dar-lhes cumprimento”. Isso significa que o que os pagãos realizavam no mundo espiritual como processo de iniciação (vide Lázaro), a partir dos Mistérios, para um pequeno grupo de eleitos, tornou-se realidade com o Cristo, para a Humanidade toda. O Cristo democratizou a iniciação espiritual. Qualquer um pode, a partir de então, seguir o Ser Solar, pois “Ele é o caminho, a luz e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Ele” (João 14,6).

O que teria acontecido atualmente, se essa criminalidade contra os infiéis não tivesse sido perpetrada? Talvez tivéssemos uma visão mais “humanizada” da ciência, da medicina, da cidadania, do mundo. Teríamos respeito por aqueles que pensam diferente, saberíamos ouvir mais. Seríamos mais tolerantes e talvez pudéssemos ter evoluído moralmente. Mas a prepotência de levantar a bandeira dogmática: “Só eu estou certo – todos estão errados e por isso devem morrer”, mostra o nosso lado egoísta e beligerante! Refletindo sobre isso, como cristãos que somos, a nossa “responsabilidade moral” com os crimes que praticamos contra os nossos irmãos é enorme. Ou seja, o nosso carma cristão é grande perante os hereges do passado!

Já que “o Cristo não veio mudar a lei, mas dar-lhe cumprimento”, o que se pode apreender da compreensão do Cristo, com relação à reencarnação? Ele disse: “Em verdade vos digo: dentre os nascidos de mulher nenhum foi maior do que João Batista… E se quiserdes aceitá-lo, ele é o Elias que há de vir. Quem tem ouvidos, ouça” (Mateus 11,11). Portanto o Cristo refere-se à reencarnação de Elias, como João Batista e arremata: quem tem ouvidos, ouça! Ainda repete em outros evangelistas a mesma sentença e mais uma vez, categoricamente, em Mateus: “Elias já veio e não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele o que quiseram”. (Mateus 17,12). Nessa passagem, refere-se à morte trágica de João Batista.

Por que é tão difícil aceitar a reencarnação? Será que não conseguimos pensar, questionar, com a nossa própria cabeça? Será que ainda se assume aquela postura dos primeiros cristãos fanáticos, na intolerância de aceitar o que o outro está falando? Como então, entender um Mozart que, aos 4 anos, já compunha músicas e óperas? Como explicar um dom qualquer que se tem, sem ter desenvolvido nenhum aprendizado? Será que Deus iria privilegiar uns e execrar muitos? Como explicar uma doença incurável em uma criança virginal?

E com relação à Ressurreição? O que significa e por que a defesa ferrenha dos primeiros cristãos? A primeira missão do Cristo foi salvar a Humanidade que estava inteiramente entregue ao domínio do mal, como foi comentado acima. A segunda missão foi preparar um novo corpo humano, mais sutil, para o futuro da humanidade (após o Apocalipse). Isso Ele realizou no “corpo etérico” de Jesus e o consubstanciou materialmente como Ressurreto. Era o primeiro dia da semana, quando Maria virou-se e viu o Cristo de pé, após a morte na cruz: “Mulher, por que você está chorando? Quem é que você está procurando?” Ela virou-se e exclamou: Rabuni (Mestre). Ele responde: “Noli me tangere (Não me toque), porque não voltei para o Pai” (João 20,17). Uma semana depois, os discípulos estavam reunidos de novo. Desta vez, Tomé estava com eles. “Estando fechadas as portas, o Cristo entrou. Ficou no meio deles e disse: A paz esteja com vocês. Depois disse a Tomé: Estenda aqui o seu dedo…” (João, 20,26). O Cristo entrou no “aposento fechado”, com um novo corpo, que havia sido preparado por Ele próprio. Vamos ouvir o que o médico Lucas tem a dizer: “Toquem-me e vejam: um espírito não tem carne e ossos, como vocês podem ver que eu tenho… Vocês têm aqui alguma coisa para comer? Eles ofereceram um pedaço de peixe grelhado. Cristo pegou o peixe, e o comeu diante deles” (Lucas 24,39-43).

Esse é o novo corpo preparado pelo Ressurreto para o ser humano do futuro. Essa foi a bandeira que os primeiros cristãos levantaram em alto brado: teremos um futuro, com o corpo preparado pelo Ressurreto, após o final dos tempos. Isso era algo totalmente novo para a Humanidade. Nunca ninguém havia realizado isso. Só o Cristo! Agora podemos entender porque aqueles cristãos lutaram com todas as garras para “impor” essas idéias, perante o mundo cheio de idéias díspares. E, assim mesmo, hoje em dia, desconhece-se essa verdade. Por isso, quando se fala em “Ressurreição dos corpos após o final dos tempos”, deve-se entender como a nova habitação corporal humana após o Apocalipse. Assim como morremos corporalmente, assim a Terra física irá um dia morrer (após as 7 Trombetas). A sua substancialidade irá se dissolver no cosmo espiritual (que os antigos indus denominam de Pralaya). Como será a nova Terra ressurreta? “Vi um céu novo e uma Terra nova, porque o primeiro céu e a primeira Terra haviam desaparecido. Vi a cidade santa, a Nova Jerusalém. A morte já não existirá nem haverá luto nem pranto nem fadiga, porque tudo isso já passou” (Apocalipse 21,1-4).

Assim como teremos um novo corpo nessa futura época, também teremos uma nova Terra, chamada de “Nova Jerusalém” (ou Futuro Júpiter pela Antroposofia). Por isso não se fala mais em reencarnação (retorno do espírito à carne física atual), mas em ressurreição (retorno do espírito ao futuro corpo).

“Felizes e santos os que tiverem parte na primeira ressurreição. Sobre eles não terá força a segunda morte” (Apocalipse 20,6). Já que a “primeira ressurreição” corresponde à etapa planetária futura, em conseqüência da “primeira morte” (morte da Terra), a “segunda morte” pode-se traduzir como o final da futura etapa da “Nova Jerusalém”. Pode-se dizer que aqueles que evoluírem passarão pela ressurreição para a fase seguinte e não terá força a “segunda morte”. Isso porque, naquela futura fase, a “morte não mais existirá”. Aqueles que não conseguirem evoluir continuarão reencarnando na mesma substancialidade terrenal (Terra colateral ou satélite da futura fase planetária), porque carregarão a perversidade e a ignomínia. Aí pesará a “segunda morte”, porque terão dificuldade para se desvencilhar da materialidade retrógrada.

Portanto a fase planetária após a Terra terá a feição dos homens que elaborarem, a partir de hoje, esse futuro. Por isso a Bíblia fala que o nosso corpo é o “Templo de Deus” e que nos foi emprestado, para um dia ser devolvido. Agora pode-se entender a outra sentença: “Com uma régua mede-se o templo de Deus” (Apocalipse 11,1), justamente para ser construído outro no futuro. “Quando semeias, não semeias o corpo, simplesmente o grão. Deus lhe dá o corpo segundo quis. Nem todos morreremos, porém todos seremos transformados. Ao último toque da trombeta os mortos ressuscitarão incorruptos” (lo Coríntios 15,37-51). Ou seja, após o final desta Terra (trombetas), os “mortos” (desencarnados) receberão corpos ressurretos na futura fase planetária, na “Nova Jerusalém”.

Como se está vendo, essa tremenda sabedoria cristã não poderia ser perdida frente à miscelânea de formas religiosas do passado. Por isso, assumir com garra guerreira era questão de honra dos primeiros cristãos. Mas um dentre os primeiros, Orígenes, escritor grego, cristão, teólogo, padre da Igreja e comentarista da Bíblia (Alexandria c.185 – Cesaréia ou Tiro entre 252 e 254), foi um dos grandes pensadores da Antigüidade. Pregava a eternidade da matéria e assim falava: “Dos fragmentos de nosso mundo destruído, Deus fará outro, e deste, outros mais, cuja história dependerá, para cada um, das livres decisões dos seres razoáveis que neles estarão contidos”. Certos textos dele dão a pensar que os mesmos espíritos criados habitarão esses universos sucessivos e participarão de sua história.

Qual a conclusão? Reencarnação e Ressurreição fazem parte da nossa cartilha de vida cristã. Elas não se contradizem, pois referem-se a situações distintas: a primeira, à reencarnação nesta fase terrestre, do espírito na carne; a segunda, à ressurreição em um novo corpo feito pelo Cristo, após o Juízo final. Assim como, no princípio da criação, a Divindade elaborou um mundo para habitarmos e um corpo para vivermos, essa mesma Divindade veio à Terra, realizar esse processo aqui.

O que precisamos fazer? Com a liberdade que o Cristo nos trouxe e com o esforço individual, devemos construir a “sociedade livre de seres humanos”, onde deve reinar o Amor Fraternal Crístico, para concretizar essas futuras metas.

Dr. Antonio Marques

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